Hoje é aniversário
de meu pai.
Faríamos uma festa junina, almoço, alguma
brincadeira qualquer, como sempre foi, não fosse pelo fato de hoje ele não
estar mais aqui. Digo que ele não está aqui, mas é pura ilusão, uma convenção
besta e materialista. Ele está aqui, sim, sempre está, sinto isso em mim, em
meus irmãos, nos amigos ou mesmo em velhos conhecidos que me encontram casualmente
em qualquer lugar e fazem questão de falar dele, de como ele foi importante na
vida deles, de quanto a saudade aperta o peito quando falam de seu nome. Daí,
após expressarem em lágrimas uma dor que não consigo medir, nem ouso compartilhar,
eles contam piadas ou casos engraçados de um homem sempre animado, sensível, positivo,
esperançoso, do diálogo, absolutamente generoso e... pai! Não apenas de seus
filhos biológicos, mas de toda uma ruma de gente que precisava de um e o
encontrou no senhor José Pedro, o Deca.
Ele era
militar. Decidiu ainda novo seguir carreira, certamente influenciado pelo pai,
o mestre carpinteiro Raymundo – de quem herdei o nome –, funcionário do extinto
Ministério da Guerra.
Quando
aquele rapazinho magérrimo se apresentou para servir, a primeira coisa que
fizeram foi jogar em suas costas dezenas de sacos arroz (60k cada) para
carregar um trem. Diziam: “se quer ser soldado, tem que estar pronto para tudo”.
Depois, estando em uma revista do pelotão, tendo apenas o 1º grau, descobriram
ter ele o curso de datilografia, coisa de valor naquele passado. Ah, sua vida
melhoraria...
Sempre se
orgulhou de seu Exército Brasileiro, porque era um ótimo profissional, como
outros, espero, ainda existam. Ganhava pouco, não tinha direito à greve, não
recebia 13º salário nem hora extra – mesmo quando passava as noites em serviço
ou quando, de última hora e sem direito a recusar, tinha que ficar no quartel
até o dia seguinte pela falta de um colega. Contudo, sem exagero, nunca o ouvi
reclamar de nada!
Não tinha muito
estudo – só concluiria o 2º grau depois dos quarenta anos –, mas era “doutor em
vida”. Determinado e objetivo, resolvia, com sorriso e leveza, os problemas
mais diversos e “impossíveis” dos seis filhos, da esposa, familiares, amigos e
até de desconhecidos – nossa casa era “pensão” para mulheres que saíam de casa
por conflito com esposo, filhos que se desentendiam com os pais, suicidas e domésticas
expulsas das casas por estarem grávidas (ele estava sempre levando uma para o
parto), entre outros.
Amava a
farda, a vida, a sua família e os passarinhos. Era louco por passarinhos.
Acordava de madrugada para limpar as gaiolas e guarnecê-las de alimento e água.
Enquanto isso, cantarolava nos despertando em sua paz: “Você, mulher, que já
viveu, que já sofreu, não minta./Um triste adeus, nos olhos seus, a gente vê,
mulher de 30...” Sofria terrivelmente quando algum deles adoecia. Pudesse, não
saía de perto.
Pelo
ofício, tinha porte de arma e uma em casa. Mesmo assim, quando sentia que havia
alguém andando no telhado, na intenção de roubar, é claro, ele pegava em seu
armário um saquinho de papel com bombas “rasga-lata”, jogava no jardim e
gritava, assistindo com os filhos às gargalhadas, os meliantes pulando lá de
cima e tomando carreira.
Hoje é o
aniversário de meu pai. E é o meu também.
Minha mãe
dizia: você foi o melhor presente que ele recebeu. Não, mãe, o privilégio desse
presente é meu. Como seu legado, continuo tentando por aqui ser um pouco do
muito que me ensinou, fazendo valer a sua generosa e feliz passagem neste mundo.
Espero que isso baste.
Feliz
aniversário, meu amado pai.
Parabéns a quem por ideal serviu a pátria. Minha continência ao sargento Costa!
ResponderExcluirAh! eu me emocionei lendo cada palavra!
ResponderExcluirquanto de bom há em relembrar um pai presente, cuidadoso. dádiva que muitos não tem. como não aplaudir, elogiar. um abraço ao também pai Raymundo
ResponderExcluirTal pai,tal filho, na generosidade e na alegria.... parabéns pelo texto.
ResponderExcluirGrato demais.
ExcluirRaymundo meu comentário sai como anônimo
ResponderExcluirNão tem problema, amiga Inês. A mensagem é ótima. rsrs
ExcluirTocante!
ResponderExcluirObrigado, Rosinha
ExcluirMuito bom! Mesmo podendo usar arma. Optou por não usar e sim.fazer um momento de leveza. rsrsrsr
ResponderExcluirSim, ele era contra violência. Presenciei vários momentos onde poderia usar de força e tentava educar.
ExcluirLinda homenagem! Amei cada comentário. Também tenho ótimas lembranças do meu pai. Parabéns!
ResponderExcluirEntão, parabéns pelo seu pai também. Obrigado pela leitura.
ExcluirExcelente texto! Parabéns aos dois, pelos aniversários e pelo que cada um representa na vida do outro!
ResponderExcluirEita, amigo Luciano, e você sabe o que é ter um pai a admirar, não é? Meu amigo Horácio.
ExcluirLindo texto. Parabéns ao pai e ao filho, com certeza ambos muito orgulhosos em do outro.
ResponderExcluirEspero. Quero guardar essa certeza.
Excluirpassaria a noite lendo e não sentiria o tempo passar❤linda foto continuam vivos em nossos corações💞
ResponderExcluirQue bom. Então a vida deles valeu a pena.
ExcluirAmei o texto. São as lembranças dos detalhes que me emciona. #Deca #MAJORcosta #amoreterno #melhorpai♡
ResponderExcluirObrigado pela leitura e pelas lembranças.
ExcluirParabéns Raymundo pelo pai que você teve, infelizmente não tive um pai como o seu.
ResponderExcluirMuito obrigado. Como está assinado como anônimo, nada posso dizer sobre sua afirmação. Mas espero que esteja bem.
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