Não aceitava a
mulher andar pelada em casa: “Mas
de jeito nenhum! Uma indecência!”
Peixoto,
diante da súbita e vezeira visão em pelo de Simone, não perdoava e desfolhava
um sermão quase litúrgico, enquanto a pobrezinha se punha em trajes, absolutamente
envergonhada com a nudez de seu próprio corpo, tão ingênua quanto a “Origem do
Mundo” de Courbet: “A mulher tem que guardar o mistério. Sem mistério perde a
graça. Mistério é tudo!”
Não tendo
outro jeito, ela era obrigada a ouvi-lo, mas não entendia aquele recato
exacerbado do marido.
No escritório
ou no bar preferido, sem quê nem para quê, Peixoto batia no peito a certeza de
defensor de bons costumes. Os colegas também estranhavam a conhecida ladainha
de Peixoto: “Lá em casa, mulher minha não se dá a essas imoralidades... Sissi é
uma santa! Jamais de andar com essas roupixas mostrando as protuberâncias para
o mundo que nem essas mulherzinhas modernas, não. É decente. Por ela, boto a
mão no fogo.”
Encabulada,
a audiência tentava mudar de assunto, afinal, todos conheciam Simone, uma
mulher jovem, linda de morrer, possuidora de um corpo magistral. Aliás, o que
ninguém sabia era como uma garota daquelas caíra nas mãos daquele turrão.
Simone
tinha o olhar de uma doçura comovente, angelical, combinando com os cabelos
negros e lisos a escorrer até a cintura delicada. Um encanto. Assim, naquele
dia, enquanto o homem discorria sobre a nudez proibida da mulher, mal sabia ele
que a plateia, completamente muda, abusava da imaginação:
“Tem que
haver mistério. O mistério é o segredo do casamento!”, bradava.
Certa
feita, não suportando mais o “discurso do mistério”, Simone comprou e passou a
vestir uma burca, deixando à mostra apenas os olhos.
Peixoto
estranhou, achou até gozado, um exagero, é claro, mas se fosse para afrontá-lo,
deixasse estar.
Passou-se
um mês, dois, três, e a esposa permanecia reticente. Não tirava aquela burca
para nada. O marido começou a ficar cismado. Dizia que não precisava disso, porém
ela fingia não ouvir e continuava com a burca em casa e até na rua.
A
vizinhança toda sabia da história e havia quem se pendurasse no peitoril da
janela de sua casa para ver se era verdade aquilo. Ali, na sala, a mulher
parecia um fantasma a assombrar o juízo do obcecado moralista.
Peixoto, às
noites, aproximava-se com uma conversa mole qualquer e até suplicava: “Sissi,
meu anjo, deixa eu ver a sua boca, vai... Só a boquinha, por favor, eu juro...”
Simone olhava para ele, profundamente magoada: “Mistério não é tudo?”
No dia
seguinte, a coisa complicou: ela decidiu trancar-se definitivamente no quarto.
O marido agora não a via mais de jeito nenhum. Também não ia mais ao seu
comércio. Julgava ter a mulher enlouquecido. Sentava-se o dia inteiro ao pé da
porta, chorando feito menino, implorando para que mudasse de ideia, que
colocasse um dedinho por baixo da porta, qualquer coisa, estava sofrendo o
diacho sem ela. Foi quando a mulher falou, após alguns dias: “Se você quiser
mesmo me ver, entre, mas eu não vou abrir.”
Peixoto, assim
esperançado, surtou. Passou a esmurrar a porta, chutá-la, jogava-se violento
contra ela, deu marretadas na fechadura e nada de a porta abrir. Mas, após
horas e horas de insistentes e malogradas tentativas, enlouquecido de paixão e
desejo acumulados, conseguiu, finalmente, entrar. Como? Atravessou o buraco da
fechadura!
Mistério...