Todo mundo tem aqueles dias em que
desperta e por um motivo qualquer, por vezes aparentemente injustificado e/ou
desconhecido, sente uma tristeza doída no peito.
Existem outras
nas quais essa tristeza é quase uma inquilina, companheira antiga e
perseverante, uma angustiante motivadora de silêncios, de cismas de nos colocar
de ponta-cabeça, de semear a mais absoluta descrença em nós mesmos, de findar
em lágrimas incontidas no escuro das gentes e, como diz o Baleiro, de andar tão
à flor da pele que “qualquer beijo de novela nos faz chorar”.
Às sombras,
esses demônios domésticos nos cobrem da sensação de não cabermos mais em nós
mesmos, de não nos reconhecermos mais no mundo, de vivermos em muda
incompreensão, a ponto de que, para continuar – ou não – toma-se a atitude de
nada mais importar ou não se levar nada a sério ou mesmo de, simplesmente,
ocupar o nosso original espaço, uma espécie de “bolha”, a nos proteger das inconvenientes,
agressivas e patéticas tentativas de “inclusão”. Sim, várias vezes se terá a incerteza
de sorrir de novo ou de enfrentar os dias do amanhã, não por medo, pois curiosamente
não se o tem, mas por não encontrar mais neles algum sentido ou razão.
Desde a
minha infância, coleciono alguns poucos “heróis”, e eles geralmente eram
solitários, incompreendidos, ridicularizados, perdedores, com a inocência d’O Garoto, sem tempo para amor ou para
amar, contudo, sem ambições, não tinham medo de errar e eram inconvencionais.
Um desses
heróis era a criatura chapliniana, o vagabundo e andarilho aqui conhecido por Carlitos.
Eu, com 11 ou 12 anos, colocava o despertador para me acordar na madrugada para
assistir sozinho – éramos 8 lá em casa – ao circuito de seus filmes na Globo –
na época não existia videocassete, DVD, muito menos streamings. Sempre me
perguntei o que fazia um garoto adolescente a empenhar-se tanto para assistir àqueles
pastelões de mímicas (mudos) e em P&B. O certo é que essa criança se
emocionava, se divertia e se encantava com a beleza, a sensibilidade e a
profunda humanidade contida naquelas narrativas, de maneira que aquelas imagens
ainda hoje forram algumas das paredes de suas (e minhas) mais caras memórias.
Nessa mesma
época, conheci “Smile”, composta por Charles Chaplin em 1936 – o título e a
letra seriam acrescidos em 1954 por John Turner e Geoffrey Parsons.
Além da
melodia lancinante, a poesia me advertia: “Sorria, mesmo com o coração doendo/ Sorria,
ainda que ele esteja partido.” Eu era cercado de afetos, família grande e
barulhenta (leia-se divertida, unida), de pais amorosos, mas havia, sim, uma
tristeza congênita, uma ausência de sonhos e um total desinteresse em “buscar a
felicidade”, porém aliada a uma certeza que até hoje trago comigo: “tudo passa,
seja a dor ou a glória!”
Assim, muitas
vezes consegui e consigo cumprir o sorriso, como o artista ao abrir das
cortinas, do acenar dos leds das câmeras de TV. Sorrir, mesmo quando no espertar
da dor e da tristeza, da perda – seja por morte ou algo parecido –, da dúvida,
do desamor.
A grande
aventura da vida exige equilíbrio, serenidade e muita coragem. Além de a busca
intransigente pelo que se quer (se preferir chamar isso de “sonho”...), o
exercício da verdade e do respeito para com os outros, a defesa de SEUS princípios
e valores, o abusar de sua capacidade de oferecer afetos, a construção mais
ampla da sua liberdade e do seu eu (que deve ser muito debulhado, cuidado e amado)
e o desafio constante, entre eles, o de sorrir.
E se você me lê agora, faça-me o favor, respire fundo e SORRIA!
"tem dias que a gente sente com o quem partiu ou morreu". um rosto sorrindo abre portas. Raymundo, você é especial. obrigada
ResponderExcluirLucirene, só se for especial por ter amigos e amigas especiais. E acho que tenho. Abração
ExcluirOlá, Raymundo Netto! Você nos traz mais uma crônica provocadora. E nos convida ao desafio de sorrir. Sim. Sorrir nos transforma. Abraço!
ResponderExcluirCom certeza, Malvinier, é um exercício. Vamos cumpri-lo. rsrs
ExcluirLivre, de alma lavada, com dignidade e sem medo de ser feliz, sorrio. Sorrio não por concessão__ apesar de; sorrio por causa de__ por consequência. Sorrio porque acabei de saborear um texto delicioso ( o prato principal__ e de sobremesa um apelo em favor do sorriso ). Sorrio porque, assim como aquela criança, também me acordava na madrugada, por outras razões, para me emocionar com outras narrativas, mas todas também entranhadas de profunda humanidade. Sorrio por causa dessa humanidade.
ResponderExcluirÉ o prof. Armando Lucas que escreveu esse comentário? Está como "anônimo"
Excluiré isso aí Netto! Parabéns! o que seria de nós se não fosse nosso bom humor sorria mesmo que esteja triste sorria!
ResponderExcluirAprendi a duras penas. Mas enfim: sorrimos, graças a Deus.
ExcluirExcelente... Uma das coisas, gestos, que admiro nas pessoas é um sorriso, principalmente o sincero, aquele que passa verdades e paz... Também deixava de sair com amigos; ficava em casa pra não perder o Festival Chaplin... Me emocionava, muito.
ResponderExcluirQue legal, fico feliz agora por não estar "sozinho" nessas sessões. rsrsrs
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