Maria,
minha amiga, precisava da muda de um cajueiro. Por que alguém poderia precisar
da muda de um cajueiro, o leitor deve estar se perguntando? Por um desses
detalhes que nos ajudam a viver, neste mundo de perdas e saudades. A mãe de
Maria amava cajueiros. Simplesmente isso. A mãe morrera havia uns dez anos, e sempre
adorou caju. Contava recordações de sua infância com cajueiros, lamentava nunca
ter tido uma dessas árvores. Quando Maria herdou a terra e a casa da mãe, compreendeu
que precisava plantar um cajueiro.
Apaixonada por árvores, Maria tinha
acabado de plantar algumas na sua casa herdada da mãe, em Penedo, estado do
Rio. Não havia espaço para nem mais uma árvore. “Botei aquelas plaquinhas com o
nome”, ela me disse, carinhosa. Pediu a alguém uma muda de cajueiro e lhe deram
uma de cajueiro-anão. Mas ela queria um cajueiro “pra valer”. Maria estava
planejando viajar à Bahia, a Alagoas e ao Ceará. “Será que eu consigo uma boa
muda de um cajueiro já crescidinho?” Acho que ela seria capaz de voltar num
caminhão, abraçada a um imenso cajueiro em flor.
Pensei nessa história de mãe e filha, com
saudades de minha mãe e olhando o meu cajueiro no quintal. Acho que escolhi
este lugar, onde vivo, encantada pelo cajueiro. Ele toma quase a metade do
terreno, ao qual sombreia e refresca. Deve ser centenário, tem o tronco marcado
pelo tempo. Galhos e galhos se estendem ao longo do chão e depois se voltam para
o céu. Olhando de longe parece um imenso guarda-sol. Ou um anjo de asas
abertas. Um deus natural. Antigos moradores das redondezas dizem que ele quando
jovem dava os cajus mais doces da ladeira. Ainda frutifica, quase o ano todo, e
são saborosos seus cajus, têm um gosto profundo e perfumado. É habitação duma
infinidade de animaizinhos, desde sabiás-da-praia, sebites, bem-te-vis, até mariposas
que formam uma flor de pétalas negras quando se deliciam com as frutas. Os
cajueiros são árvores maravilhosas, espontâneas, nutritivas, nascem nos solos
mais arenosos, suas folhas são um excelente adubo. Onde há um cajueiro há mais
frescor, alimento, ar puro e perfume das florinhas.
Textos antigos, como um do geógrafo
holandês Laet, contam que havia bosques de cajueiros a cobrir praias, dunas, a
subir colinas, o chão ficava coberto por um tapete vermelho de frutas. Num
comentário, o zoólogo Conrad Guenther diz que se podia andar durante horas pelas
matas de cajueiros na costa nordeste do Brasil. Que riqueza! Mas, percorrendo
estradas, trilhas, piçarras, tenho visto amontoados de lenha feita com troncos
e galhos de cajueiros. Imensos cajuais são transformados em tocos, uma cena de
desolação, de derramar lágrimas; ao lado, pilhas de lenha para ser vendida.
Sempre cajueiros, cajuais, e fico abismada: por que motivo isso está
acontecendo. É permitido o corte de cajueiros? É permitida essa devastação?
Andei lendo leis e planos de manejo florestal do Ceará, são complexos, mas
compreendi que o corte de árvores é permitido apenas para florestas plantadas,
com algumas exceções. Nossos cajueiros, alguns centenários como o meu, formam
florestas nativas.
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