terça-feira, 1 de março de 2022

"Cajueiro da Mãe", de Ana Miranda para O POVO


Maria, minha amiga, precisava da muda de um cajueiro. Por que alguém poderia precisar da muda de um cajueiro, o leitor deve estar se perguntando? Por um desses detalhes que nos ajudam a viver, neste mundo de perdas e saudades. A mãe de Maria amava cajueiros. Simplesmente isso. A mãe morrera havia uns dez anos, e sempre adorou caju. Contava recordações de sua infância com cajueiros, lamentava nunca ter tido uma dessas árvores. Quando Maria herdou a terra e a casa da mãe, compreendeu que precisava plantar um cajueiro.

Apaixonada por árvores, Maria tinha acabado de plantar algumas na sua casa herdada da mãe, em Penedo, estado do Rio. Não havia espaço para nem mais uma árvore. “Botei aquelas plaquinhas com o nome”, ela me disse, carinhosa. Pediu a alguém uma muda de cajueiro e lhe deram uma de cajueiro-anão. Mas ela queria um cajueiro “pra valer”. Maria estava planejando viajar à Bahia, a Alagoas e ao Ceará. “Será que eu consigo uma boa muda de um cajueiro já crescidinho?” Acho que ela seria capaz de voltar num caminhão, abraçada a um imenso cajueiro em flor.

Pensei nessa história de mãe e filha, com saudades de minha mãe e olhando o meu cajueiro no quintal. Acho que escolhi este lugar, onde vivo, encantada pelo cajueiro. Ele toma quase a metade do terreno, ao qual sombreia e refresca. Deve ser centenário, tem o tronco marcado pelo tempo. Galhos e galhos se estendem ao longo do chão e depois se voltam para o céu. Olhando de longe parece um imenso guarda-sol. Ou um anjo de asas abertas. Um deus natural. Antigos moradores das redondezas dizem que ele quando jovem dava os cajus mais doces da ladeira. Ainda frutifica, quase o ano todo, e são saborosos seus cajus, têm um gosto profundo e perfumado. É habitação duma infinidade de animaizinhos, desde sabiás-da-praia, sebites, bem-te-vis, até mariposas que formam uma flor de pétalas negras quando se deliciam com as frutas. Os cajueiros são árvores maravilhosas, espontâneas, nutritivas, nascem nos solos mais arenosos, suas folhas são um excelente adubo. Onde há um cajueiro há mais frescor, alimento, ar puro e perfume das florinhas.

Textos antigos, como um do geógrafo holandês Laet, contam que havia bosques de cajueiros a cobrir praias, dunas, a subir colinas, o chão ficava coberto por um tapete vermelho de frutas. Num comentário, o zoólogo Conrad Guenther diz que se podia andar durante horas pelas matas de cajueiros na costa nordeste do Brasil. Que riqueza! Mas, percorrendo estradas, trilhas, piçarras, tenho visto amontoados de lenha feita com troncos e galhos de cajueiros. Imensos cajuais são transformados em tocos, uma cena de desolação, de derramar lágrimas; ao lado, pilhas de lenha para ser vendida. Sempre cajueiros, cajuais, e fico abismada: por que motivo isso está acontecendo. É permitido o corte de cajueiros? É permitida essa devastação? Andei lendo leis e planos de manejo florestal do Ceará, são complexos, mas compreendi que o corte de árvores é permitido apenas para florestas plantadas, com algumas exceções. Nossos cajueiros, alguns centenários como o meu, formam florestas nativas.





 

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