sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

7 de janeiro de 2022: 94 anos do jornal O POVO

 

“(...) É no jornal que o povo encontra o seu pão espiritual de cada dia. O jornal descortina-lhe o mundo, vencendo distâncias. [...] Quando o povo geme escravo, entorpecido pelas algemas do cativeiro, indiferente à violência paralisante do grilhão, o jornal é o sangue novo, forte e generoso a nutrir-lhe as células dormentes, a despertar-lhe os neurônios amortecidos, a ondear-lhe, nas veias, a torrente vigorosa e enérgica da revolta. O povo precisa de mais gritos que o estimulem, de mais vozes que lhe falem ao sentimento. Eis porque surgimos...”

Esse é um fragmento do primeiro editorial d’ O POVO, o jornal mais antigo e o único diário em exercício e impresso no Ceará, publicado em 7 de janeiro de 1928, ou seja, há 94 anos. Foi escrito pelo seu fundador, o jornalista, telegrafista, odontólogo, político e poeta baiano Demócrito Rocha (1888-1943).

Quem conhece um pouco da história do Ceará sabe que é impossível se passar pelas décadas de 10 a 40 do século XX sem tocar em seu nome. Na década de 20, em especial, por meio de suas “Notas”, a princípio no periódico O Ceará e depois em O POVO, era, em um tempo sem rádio, TV ou internet, a legítima voz do povo que acolhera em seu coração, razão pela qual teria sido, na época, covardemente surrado e humilhado em emboscada em praça pública por 12 policiais armados a mando do governador.

Então, decidiria: fundaria o seu próprio periódico na marra, por atrevimento, com pouquíssimos recursos e quase nenhuma condição, movido pelo sonho de edificar o jornal que ele queria, mais justo, livre e independente, inovando o fazer da imprensa desde então.

Com início num sobradinho da praça dos Leões, um gregário Demócrito criava campanhas, concursos, promoções, poemas, lia caligrafias, atraía intelectuais e escritores, idealizava projetos musicais na recente rádio PRE-9, elaborava estratégias comerciais, participava de reuniões artísticas, políticas e sociais de toda natureza. Durante algum tempo, exerceu concomitantemente as carreiras de dentista e de professor da Faculdade de Odontologia – do qual também foi defensor – para ajudar a pagar a folha e manter a sua família: a esposa Creuza e as filhas Albanisa e Lúcia.

Assim, com muita resiliência – e forte dose de teimosia e idealismo – conseguiu sobreviver à quebra da bolsa de Nova York, logo no ano seguinte, além de duas grandes guerras mundiais, às censuras e golpes de estado e a todas as crises nacionais e internacionais que elevavam os preços dos insumos e equipamentos, entre os quais, o imprescindível papel.

O POVO, ele sabia, seria amado e odiado, aclamado e perseguido, de modo que habilmente pressentia quando reagir e/ou quando recuar, tudo ao seu tempo, e nada mais natural para uma folha que trazia entre seus princípios a democracia, princípio esse que Demócrito levou às tribunas quando deputado federal, até ser deposto durante a ditadura Vargas. Idealista, Demócrito não visava ao poder, morrendo sem nunca ter tido uma casa própria ou publicado um único livro seu, ao tempo que publicava e promovia os de outros talentos locais.

Entendo que o jornal O POVO, aos 94 anos, não é a sua diretoria, assim como também não é apenas o seu corpo funcional, menos ainda o edifício que o acolhe. Escorre por ele o sangue Demócrito Rocha – talvez o mesmo citado em seu famoso poema “O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta” – e de todos os seus sucessores: Creuza do Carmo Rocha, Paulo Sarasate, Albanisa Sarasate, Demócrito Rocha Dummar e, hoje, Luciana Dummar.

Esse acervo de histórias é um patrimônio legitimamente cearense e que vai mais além, trazendo nessa “artéria aberta” o espírito de todos aqueles que por essa escola passaram um dia. De personalidades reconhecidas a pessoas comuns que encontramos nas ruas, nos bares, nas igrejas, nas praças e que, ao saberem que fazemos parte do O POVO, nos relatam histórias suas ou de parentes e amigos que ali escreveram ou trabalharam, ou mesmo as de assinantes históricos e de matérias que os impactaram. Já conheci jornalistas, editores, gráficos e até ex-gazeteiros que se recordam do som das pesadas máquinas ou das campainhas que indicavam a hora de distribuir o vespertino.

O jornal de Demócrito, aniversariante do dia, acessível em grande audiência pelos impressos, celulares, tablets, computadores, rádio e TV, é presente em 94 anos de história de todos os dias e em todos os segmentos, fazendo as contas para além do calendário, significando e revelando muito mais do que podemos ver, ler, ouvir ou tocar. E tudo isso a partir do sonho de um homem.

 

P.S.: Se você se interessou em conhecer mais sobre a vida e obra de Demócrito Rocha, assista ao vídeo de Os Cearenseshttps://www.youtube.com/watch?v=_fYlVceVoZk



8 comentários:

  1. Que maravilha de texto. Viajei no tempo e recordei o breve período em que também fiz parte de O Povo. Este jornal sempre foi e será o meu referencial. Parabéns a você e a todos que fizeram e fazem o O Povo.

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    1. Obrigado, Fabreu. Sim, você faz parte demais dessa história.

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  2. Que bonita história sonhou e realizou Demócrito Rocha. O Povo sempre foi motivo de orgulho da nossa terra.

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  3. Excelente! Texto pra lá de excelente. Maravilhosa história de seu fundador.Fui assinante por um tempo. Realmente um jornal de responsabilidade e credibilidade. Parabéns!!

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  4. Várias vezes na minha infância admirei as máquinas fazendo jornal,na época ficava na rua Senador Pompeu,tempos depois mudaram par a Av.Guanambi,ótimas lembranças

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    1. Eita, foi longe... Foi uma sede, a da Senador Pompeu, que viveu muito sucesso do jornal. Sim, ótimas lembranças.

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