segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

"Pandemia Didática", de Raymundo Netto para O POVO


     O ano de 2020 não foi apenas o ano da pandemia, mas de aprendizado.

É certo que a história mundial desse nefasto agente agressor não será esquecida, em especial por aqueles que perderam familiares e/ou amigos durante a sua vigência. Também como é certo que culturas, estratégias e hábitos “novos” deverão permanecer e outros serão criados na iminência de prováveis – por que não? – novos agentes potencialmente perigosos em um futuro – se deixarmos esse futuro acontecer.

É incrível que um germe tenha o poder de fazer sumir os sorrisos, não apenas pelo uso protocolar das máscaras, mas pela insegurança, pelo medo, pela constatação de nossa pequenez e fragilidade diante do universo.

Infelizmente não pensamos nisso todos os dias, pois se o fizéssemos não teríamos coragem nem de jogar papel no chão, desperdiçar água na lavagem de carros ou de calçadas e das torneiras de casa, entre outros maus costumes que nós ainda teremos que assistir, pois com tudo isso que aconteceu e que acontece, homens e mulheres ainda se unirão todos os dias, na sua irresponsabilidade e descompromisso rotineiros, para transformar esse mundo num local pior e impossível de viver.

A hipocrisia, o consumismo, a ignorância, o preconceito, a violência, entre tantos outros atributos de uma não civilização, em pleno século XXI, são encontrados em cada esquina, muito bem maquiados e vestidos, com ares de bem-sucedidos, privilegiados muitas vezes por “padrinhos” ou eleitos em “temerosas transações”, bastando um pouquinho de convivência ou a emissão de umas poucas frases para se perceber tratar-se de uma farsa, alguém “que se passa”, vazia e inútil.

Muitas dessas pessoas (parasitas) agem toxicamente na sociedade, contaminando a outros iguais na sua incapacidade de leitura de mundo ou de empatia, sem chance de reflexão e/ou de crítica, prisioneiros do seu exclusivo querer, do seu individualismo, da sua mania de julgar os outros pela sua história cômoda de privilégios.

Contudo, disfarçam bem, sorriem bastante, aparentam generosidade e fé, porque necessitam de aprovação, precisam ser reconhecidos. Eles, muitas vezes, ocupam cargos em instituições públicas e privadas – e pasmem: até educacionais e órgãos do Poder Público – e nelas atuam como capachos, uns lambe-botas, prontos a servir e a vender a alma se preciso para não perder o assento que, pela competência e talento, jamais conseguiriam. Porém, estarem lá já denuncia o nosso fracasso.

Muitos, em atitude fascista e em prol de fomentar a sua cruel e tirânica perseguição social – compreender a democracia para eles é impossível –, usam a bandeira de suas pátrias e o discurso religioso como escudos, conquistando milhares de pessoas anestesiadas pelo ideal da salvação espiritual ou cantadores automáticos de hinos. Não entendem que a bandeira de um país é apenas um trapo velho se não tratamos de cuidar daquilo que ela representa, que é o seu povo, as suas riquezas (naturais, materiais, imateriais), a sua cultura, a sua identidade, elementos hoje que estão sendo covardemente abatidos.

A pandemia nos revelou muita coisa sobre essa gente. Muitos dos seus (des)valores nos foram revelados. “Caíram as máscaras” (essas máscaras) e só não vê quem não quer, quem não aprendeu ou não consegue mais aprender nada, que vive nesse mundo plano da Idade Média, propagando um deus particular que serve unicamente a seus propósitos de ostentação e poder.

Eu acredito em mudança, no aprendizado planetário. Naqueles outros. Acredito em 2021.

 

6 comentários:

  1. Excelente texto, Raymundo. Eu também estou botando fé no ano de 2021. Mas botando o pé na frente, devagarinho, como quem atravessa um rio. Um rio de águas muito sujas.

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  2. Para não dizer, "lama", né, Zélia? rsrs É isso mesmo. Obrigado.

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  3. Excelente e "didático" texto que nos faz abrir os olhos para o que não queremos ver! Que venham tempos melhores em 2021!

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  4. Muito bom ler o seu ponto de vista sobre a fase que estamos vivendo. É confortador sentir quando alguém tem clareza sobre o cenário e o comportamento de seus mal-amanhados personagens. Feliz 2021!

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  5. Obrigado, Malvinier, pela sua leitura e retorno.

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