Selo comemorativo dos 50 anos de Arievaldo Vianna, por Jô Oliveira.
Arievaldo Vianna não era apenas um
homem, mas um sonho.
Para alguns, um quixote, um quaresma,
uma sherazade de calças, um fabulador de voz grave e declamante, com seu colete
de couro a berrar suas histórias em palcos naturais das calçadas, das praças, dos
postes, numa delirante genialidade quase beirando à dulcíssima loucura, como alguns
outros com quem dividia a sua mala de romances e baú de gaiatices.
“No ano
sessenta e sete/Do outro século passado/Nasci naquele recanto/E fui por Deus
inspirado/A beber daquela fonte/Perto do reino encantado.”
E bebia e
se banhava, de quase se afogar, dessa fonte de trovadores, tocadores,
violeiros, sanfoneiros, bumbas-meus-bois e, claro, à lamparina, na rede ou em alpendres,
ou nas manhãs azuis, sobre o tapete da bagaceira de engenho, em meio à
capoeira, à voz alta, dos folhetins de cordéis, “sua leitura de primeira hora”.
O bravo
menino sertanejo do sítio Ouro Preto, alheio às necessidades que a vida lhe
trouxe para fazer-se forte, crescia assim, imerso entre a roça e o mundo
fantástico: beijocador de princesas, amigo de reis, escalando muralhas de
castelos, desafiando dragões, assistindo a gargalhar muito às pelejas de demônios
com cangaceiros.
Quem diria
que essa tripinha de gente “desasnada” pela leitura da vó Alzira se criaria
poeta, ilustrador, fanzineiro, radialista, publicitário, xilogravurista,
colecionista, historiador, biógrafo, capista, editor, pitaqueiro, amigo de
todos... e alguém a quem as letras brasileiras deveriam tanto?
Quando nos
encontrávamos, era uma grande alegria, e se eu não pedisse arrego, não me
deixava ir. Num galope à beira-mar atropelava uma história com uma pesquisa,
uma leitura com uma piada, uma reclamação com uma proposta editorial que iria
nos enriquecer a todos... Mesmo quando depois confirmava: “Minha mulher chegou
à triste conclusão de que eu não sei vender a minha arte, não nasci para ganhar
dinheiro. As pessoas me procuram e eu sempre cobro muito abaixo do que
deveria”.
Meses mais
novo do que eu, tinha no falar – e eu o admirava por isso – uma extrema autoridade,
uma altivez, mas uma autoridade legítima, uma altivez não pedante, de quem sabe
e que transmite esse saber, não o ocultando sovinamente como se fosse um privilégio,
uma dádiva divinal. Estive com ele em diversas ocasiões distintas e NUNCA o vi
se gabar de nenhum dos prêmios que recebeu, das inúmeras publicações e dos livros
que vendia em editoras nacionais, de entrevistas de toda parte do país das
quais era convidado. Sabia o amigo Arievaldo, por ser ele um dos grandes, que
os prêmios são apenas reflexos e consequências daquilo que fazemos e do que
realmente nos importa. Para os fracos e os pequenos, tais desnecessários
reconhecimentos podem se tornar armadilhas de espírito. Arievaldo não precisava
deles. Era um artista!
Militava na
educação, na leitura, nas artes populares e sertanejas. No palco, falava
desenvolto, cheio até a tampa de histórias para contar. Criativo, inteligente,
impulsivo e impossível.
Agora, dia
30 de maio de 2020, os quase anjos João Grilo, Pedro Malasartes e o Cancão de
Fogo, sob a bênção de São Francisco, desceram dos céus em busca do menino
grande Ari e o levaram para se assentar ao lado de Patativa, Santaninha,
Leandro Gomes de Barros, Alberto Porfírio, Leota e Ribamar Lopes numa conversa
que se já era sem fim, agora é que não se acaba no meio desse sereno de
estrelas do cordel, a literatura mais genuína e brasileira de nosso Brasil.
Nossa
gratidão, irmão Arievaldo, príncipe do cordel cearense.
estava emocionada pois acabara de desaparecer um amigo querido, e as lágrimas rolaram soltas pelo Arievaldo ou por tudo junto. sua postagem no dia, foi a mais significativa. vi de perto Arievaldo num bazar das letras, primeiro com o Rinaré e noutra ocasião ele e suas obras,embasbacada, escutei todo o conhecimento,obras, facilidade de expressão. por ocasião da FLIP, constatei que além disso tudo sabia ser amigo e simples. parabéns mais uma vez, Raymundo, você expressou muito bem o que a grande maioria sente.
ResponderExcluirPor gentileza, qual seu nome? Aparece-me como "Unknown" (desconhecido/a)
Excluirfui eu que escrevi Raymundo - Lucirene Façanha
ExcluirOi, Lucirene. Tão anônima por aqui... rsrs Obrigado.
ExcluirConheci Ari, desde menino. Seu texto é emocionante.
ResponderExcluirGrato demais, Sylvio. Pelo e-mail e agora pela sua publicação.
ExcluirLindo texto, que descreve muito bem quem foi Arievaldo Viana e o que ele significou e significa para o cordel, para a literatura e para a cultura nordestina !
ResponderExcluirGrato pela leitura, Rosanni. Obrigado.
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