“O casamento acabou!” Há tempos, sabiam,
mas agora estava na casa do sem jeito.
Amalarico
era obcecado pelo trabalho, a “razão primeira de sua vida”. A esposa, demorou, cansou-se
da competição com aquele que denominava ser a sua “amante” – ou quem sabe, a
amante seria ela? Não estava enganada. Compulsivo, trabalhava o tempo inteiro,
mesmo quando em lazer, ao comer, ao dormir e nas horas mais íntimas. Sentia um gosto
formidável em produzir, acordando muitas vezes à madrugada com novas
estratégias, ideias, que lhe chegavam mais velozes do que gatos correndo pelo
telhado.
Saindo de
casa, já em novo apartamento, comemorou, a princípio, o silêncio absoluto, a
ausência das interrupções de seu delírio laborioso para reclamações ou inúteis solicitações
da incompreensiva mulher. Por outro lado, para sua surpresa, em poucos dias,
aquele silêncio se apresentara um pouco demais, como de quase morte.
Para
piorar, não sabia viver só. Com a separação, montar o apartamento, ter que
pensar em atividades banais de rotina, no que comer, em limpeza da casa,
lavagem de roupa, tudo isso o estorvava profundamente, pois que o afastava do
seu bem querer: o trabalho!
Desabafando,
quase em prantos, a uma colega, ela o aconselhou, entre outros, a adquirir uma
boa máquina de lavar. “Não dá trabalho nenhum. Faz tudo e deixa sua roupa bem
sequinha...”, assegurou.
De
primeiro, diante do aparelho recém-instalado, o enfadonho maquinismo e a fria
leitura de seu manual. Resignado, aprendeu o uso e comprovou a sua eficiência.
E mais: com pouco, passou a atentar a um movimento estranho na casa, um barulho
novo, que ia e vinha em pausas intermitentes, rompendo aquele silêncio lúgubre...
era a sua máquina de lavar! Contemplando-a na sala, pensou: “Ela não me deixa sozinho.”
Despertando
agora daquele nada social, às vezes, parava o seu trabalho e sentava-se diante
de sua porta circular, quase um imenso olho, a ele atento e servil. Tomava um
sorvete, ali, quando durante um sobressaltado e quase hipnótico ciclo de
secagem, sentiu em seu peito algo que há muito não sentia. Uma excitação, uma
vontade de virar-se ao avesso, o coração premido. Aquela máquina, como ele,
trabalhava todos os dias, com grande ânimo, e sem lhe exigir nada. Sim, não
tinha dúvida: ele a amava, numa adoração de botar em joelhos as musas do brega.
E desde
esse dia, passou a conversar com ela e a almoçar na área de serviço. Logo mais
traria também o seu colchão, onde dormiria ali, pelo menos, às tardes.
Trazia-lhe presentes e a vestia em belas capas florais. Para ela, só o melhor
sabão – líquido, claro, pois em pó achava áspero demais para sua amada – e
amaciantes com essências perfumadas: lavanda, alfazema.
Meses depois
de tal aliança, porém, sonhava Amalarico com umas seis ciclópicas criaturinhas
metálicas cirandando ao seu redor, quando acordou assombrado: um estrondo,
seguido por um tremor escandaloso, ouvia-se na sala. Quando ainda entontecido correu
a ela, flagrou a sua amada, em sacolejos sobre os pequeninos e alvos pés, arrastando
sua mangueira, a sair em fuga pelo hall e escadaria afora, na tentativa de
livrar-se de uma vez daquele amor sebento e abusivo.