“Mulher intelectual não pega homem!” Ouvira isso inúmeras vezes, mas naquela
noite de coração desértico, quente e vazio, seria diferente.
Ao espelho, vestia, quase em lágrimas, a
roupa mais fatal. O próprio corpo queria saltar do vestido, ela não se reconhecia,
envergonhava-se, mas nada importava mais!
Chegou a um pub. Pouca luz, muita
fumaça, ar alcoólico e frenético barulho. Por ela, se jogaria na barra de pole dance, mas dirigiu-se ao bar, pediu
uma bebida, a mais forte, que guardou entre os dedos até quando chamaram ao
pequeno palco o poeta, um rapaz magrinho de cabelo avermelhado. Ele pegou o
microfone, olhou para o público desatento e declamou aos gritos o seu poema.
Em meio à barulheira, o tilintar de
copos e as risadas expressivas, ele continuava uma falação ardente, suspirosa e
inútil, enquanto ela, mesmo quando alguém já apalpava a sua bunda, fitava-o. Não
se sabe se por um instinto atávico e autossabotador, certo é que sentira tanto
amor ali, capaz de encher até buraco sem fundo.
Ao final, aproximou-se dele, em uma
indisfarçável timidez. Imersos no alvoroço, se olharam em risinhos
desnecessários, quando ela deixou escapar: “Estou sem calcinha.”
Ele riu desconcertado: “Que comentariozinho
mais exótico... ”
Extasiada, respondeu: “A um cantinho mais
erótico? Agora? Sim, podemos ir, sim.”
Ele insistiu ao seu ouvido: “Não, eu
disse exótico!” Ela, pasma consigo mesma, engoliu de vez o trago e emendou: “Sim,
eu também. Foi o que eu disse... exótico?”
Marcaram então de se encontrar no
sábado próximo, quando ele a levou ao zoológico para ver o recinto dos pandas. Era
alucinado por pandas. “Que fofo!”, ela pensou.
Após uma hora de jujubas, aulas de
cultura chinesa, veganismo e pandas, ela encorajou-se e tascou: “Sim, mas...
você não gostaria de ir agora a um motel?”
Ao convite inesperado, ele murmurou:
“Eu preciso que saiba de uma coisa...” Ela adiantou-se: “Você é gay? Ai, meu
Deus, esse amor por pandas...”, quando ele acudiu: “Não, não sou gay... Eu sou
virgem!” Aliviada, ou quase, estranhando ainda a resistência, pensou que seria
uma experiência singular. Ele insistiu: “Mas muito virgem. Virgem demais. Nunca
beijei uma mulher. Apenas espelhos, dorso da mão...” Ela nem quis saber e o trouxe
à boca, quando, naquele momento tão inaugural, em vez do aguardado beijo
recebeu uma tremenda lambida.
Ela sentiu um nojo colossal: “Que foi
isso?” Ele queria mais. Nova tentativa. A lambeu outra vez, desta vez o rosto
inteiro. O poeta tinha uma língua abundante, descontrolada. Tomara gosto e não pararia mais, se ela
não se lembrasse de um falso e emergente compromisso. Ele compreendeu.
Segurando a baba e com os olhos brilhantes, insistia: “Quando nos veremos outra
vez? Quando?”
Não sabia o motivo, se por ser de
Humanas ou pelo desespero de quem se afoga, mas o recebeu em sua casa.
Desta vez, sem cafés, enxerimento na
estante de livros, entre outras preliminares, foi ele que se atirou sobre ela,
afoito e covardemente, num apetite absurdo, rasgando-lhe as roupas e lambendo-a
inteira, dos pés à cabeça e vice-versa. E a lambeu tanto, mas tanto, por horas
sem fim, que pela manhã não havia mais nenhum pedacinho desejoso dela para
contar história.