segunda-feira, 11 de novembro de 2019

"Romântico", de Raymundo Netto para O POVO



Mais romântico que Baltazar estava para nascer! O homem era um verdadeiro amante à moda antiga. Distante de bares, sabíamos logo estar em pleno exercício de um novo e sempre incomparável amor. Da mesma forma, mais cedo ou mais tarde era certo que o encontraríamos em uma daquelas mesmas mesas de bar, enchendo a cara, acolhido por melosas músicas de abandono, a clamar para quem quisesse – e mesmo para quem não quisesse – ouvir sobre o infortúnio de sua vida e de sua malograda paixão.
Há quem jurasse ser ele capaz de começar uma história amorosa simplesmente para poder terminá-la e iniciar as curtidas dores intensas e inarráveis dos corações malferidos.
Quem arriscasse a se aproximar um pouco mais, ouviria dele a sentença: “Eu a amo tanto, como nunca jamais amei ninguém nesta vida. Ninguém!”
Tentar consolá-lo, entretanto, seria um erro gravíssimo. Aquela sua dor era sagrada, só sua, muito sua. Seria como tirar o doce de uma criança que não ama nem sabe amar a mais nada na vida, a não ser aquele doce. Então, ele era capaz de expulsar o incauto da mesa, praguejar-lhe alguns palavrões, acusá-lo por sua frieza, insensibilidade e inveja.
Para os amigos, não havia dúvida de que estavam diante de um coração poligâmico, superior, plural. “Deus o criou assim e jogou a receita fora!”, concluíam.
Uma noite, após outras de sofrência extrema de quase morte, Baltazar nos chegou diferente, radiante. Nós nem conseguiríamos suspeitar, pensava ele, se não nos dissesse que “ontem mesmo, encontrei o amor da minha vida... o mais verdadeiro amor!”
Sim, até aí sem novidade, afinal não estamos falando do Baltazar? Pois é, a novidade mesmo é que desta vez vitimava-se por um amor impossível: a Lua.
Como você, por aqui a moçada também não o levou a sério, a princípio, mas durante a semana, dava até pena assisti-lo, lágrimas nos olhos, fitando-a, declamando poemas ou ofertando-lhe plangentes serestas na calçada fria até o galo anunciar sua retirada aos intransponíveis aposentos celestes.
Durante uma semana, como uma Julieta sem balcão, sua virgem selênica não deu as caras e Baltazar quase sucumbiu – e infernizou a nossa vida – daquele amor. Cobiçava-a, dizia, mais do que a qualquer outra que conhecera na vida. O seu brilho lumiava os caroços de seus olhos jurados de tal encantamento a acompanhar com uma servidão singular o seu curso perverso. Sem ele, sua vida não tinha mais sentido.
Um dia, quando ela se apresentou novamente no céu estrelado, o vimos cruzar a rua pelado numa carreira desembestada em direção à lagoa. Corremos atrás. No alto da colina, comprovamos o motivo do alvoroço. Lá estava, refletida no espelho da água, grande e nua, a sua amada imortal. Ele, sedento de amor, corria para o desejado e até então impossível abraço. Lançou-se no leito de águas frias e, desde então, nunca mais foi visto ou encontrado.
Anos depois, aquele amor tornou-se lenda na cidade. Em noites de luar, contam que ele conseguiu realizar o seu sonho e chegou à Lua. Lá, escolheu a terra de alabastro, separou os pedregulhos, socou a massa e construiu a sua casa adamantina às margens do imenso Mar da Tranquilidade.



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