segunda-feira, 13 de maio de 2019

"Calor da Pele", de Raymundo Netto para O POVO



Outra que te ame mais do que eu, não encontras, amor. Eu garanto!”, batia nos peitos fartos de comovente vaidade romântica, logo naquele instante de não sobrar espaço para discussão nenhuma, mas apenas para ação, e ligeira, pois a moça, pelo menos entre quatro paredes, não se saciava com pouco e menos se fazia esperar.
Dedé, despreparado para as coisas do amor, como a maioria dos homens, cumpria o ritual amoroso, a princípio com um orgulho besta e viril, chegando com pouco às fronteiras do assombro e frustrando-se na constatação primeira da sua impotência diante do excesso libidinoso inalcançável da nova namorada.
Ela o consolou: "Nada não, querido, amanhã a gente tenta ir um pouco mais. Você está tão cansadinho..." E o abraçou com tamanho afeto, de quase colocá-lo no colo e embalá-lo no prelúdio de uma noite que parecia nunca acabar.
Noutro dia, no trabalho, com o colega Armando argumentava em causa própria: "Eu não sei o que ela tem. É um fogo sem fim aquela mulher. Eu sozinho não aguento. Não dou conta."
Essa vergonha íntima era tamanha, que a repetia como canto de cigarra, todos os dias, na pausa do cafezinho. Armando, num primeiro momento, pensou tratar-se de gabolice de macho. Depois, tomou a liberdade da inveja e, por fim, noutro dia, daqueles provavelmente em que o cão atenta, passou a ser consumido pela curiosidade daquela mulher obsessiva por prazer. Arriscou: “Você vive reclamando da doida de sua namorada. Por que não termina logo e passa a bola?”
“E ela deixa? Deixa, não, meu amigo. Aquela quando gruda... Capaz de morrer, ou pior, de matar. Ou ambos... o que vier primeiro.”
“E se fossemos os dois? Digo, se sozinho não dá conta, quem sabe se com nós dois?...”
A ideia era de um despudor escancarado. Um absurdo que, por isso mesmo, numa lógica agostiniana, poderia dar muito certo. Armando, sentindo a hesitação, não teve dó: “Vai por mim, Dedé, ela vai amá-lo ainda mais. Mulher assim tem que surpreender. Com nós dois, ela vai lamber os seus pés!”
Então, naquela tarde, mesmo temeroso, aparecia no apartamento dela com Armando, que era só sorrisos, suando as mãos  numa ansiedade de criança em loja de brinquedos. Sentaram-se no sofá como velhos conhecidos e riram muito com a proposta do terceiro. Dedé meio sem jeito capitulava num gaguejado medonho: "Benzinho, ele é doido. Falou e eu trouxe, mas é tonteirice. Como pode?"
Mas ela, por outro lado, lambia os beiços. Seus olhos pareciam foguetes de S. João a devorar com espinha e tudo o seu solidário amigo. Nem mal o namorado deitava a última vogal, foi arrebatado por ela, a tomar-lhe a boca, enquanto ao mesmo tempo trazia na chave de braço o pescoço do outro.
A vizinhança nem estranhava mais aquelas agitações no apartamento da moça, mas naquele dia havia algo de violento, de terríveis proporções. Era um arrastado sem fim, uns baques nas paredes, uns gritos indecifráveis de prazer e de dor. Há quem pensasse em chamar a polícia, os bombeiros, a sociedade protetora dos animais, um exorcista, mas não, apenas aguardaram de portas e olhos abertos para ver o que se dava ou se tirava dali.
Horas depois, na madrugadinha, alguém jurou ver um vulto correr nu, a toda, pulando a varanda e gritando acudas. No olhar tresloucado, o pânico! Era Armando.
Já pela manhã, o casal saía alinhado de banho feito e tomado. Ela dizia, melosa: “Docinho, na partida de hoje à noite não aceito banco reserva, não. Só o titular, viu?”
No trabalho, soube, Armando faltara. Estava mal, nem sabia o quanto. Dedé, então, pegou o jornal e, como não quisesse nada, aproximou-se de Reinaldo num lamento inconformado: “Amigo, eu não sei o que ela tem. É um fogo sem fim aquela mulher. Eu sozinho não aguento, não dou conta. Não, mesmo!”



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