Safira seguia a
passo vago ao lado do caixão do marido.
Olhava Edmundo de cima abaixo, de baixo para acima, como se a qualquer momento
fosse de sua providência acertar o véu, recompor um detalhe, apertar os
cadarços, ajeitar-lhe as mãos pesadas no peito mudo. Como se ele, dali a pouco,
pudesse lhe pedir qualquer coisa, qualquer uma. Ela o faria, certamente, o
faria como sempre.
No mesmo
passo, desviava a atenção dos olhos úmidos para as paredes nuas, às imagens de
um Cristo triste e rendido a esvair-se em sangue, enquanto a mocinha da
funerária, que interrompia o silêncio com irritantes saltos ligeiros, trazia os
copos descartáveis e o café para as visitas:
"Não
tem ninguém, senhora?"
"Ninguém,
por quê?"
O casal se
bastava em si, nem filhos, orgulhavam-se, lembrou. Foram morar longe:
"Família só serve para dar pitaco!" O amor lhes era tudo. Era o teto,
o chão e o cobertor do casal. O que poderia faltar diante do amor de duas almas
tão sinceras?
Durante
algumas horas, apenas uns poucos, menos de dez, colegas do trabalho, passariam
por ali. Alguns deles, cerrados em óculos escuríssimos, mal emitiriam palavras,
apenas grunhiam. Poderia ser qualquer coisa, de "lamento" a
"ainda bem". Perguntariam:
"Como
foi que aconteceu? Tão jovem..."
"Não
sei. Ele estava tão bem, feliz, e de repente... Foi-se."
Não
demorariam. Teriam outros compromissos, qualquer um, senão ficariam, mas
ligasse — se tivesse deles sequer algum número. Entretanto, trariam a mais bela
e única coroa de flores. Nela, uma cor clichê: "Saudades".
Ficaria por
horas novamente só, imutável, sentada numa incômoda poltrona de viúva a
rememorar o sorriso elevado que ora jazia ali, sepultado em algum lugar daquele
cadáver, objeto repulsivo a caminho dos vermes que conduzem à desintegração
terrena.
Por vezes,
tomava coragem, levantava-se e parava diante do corpo do marido. Espalmava a
mão na testa lânguida e uma ânsia lhe tomava o corpo em arrepios lancinantes.
Como seria possível amá-lo assim? Como poderia guardar na lembrança aquele
homem? "Morto!" Punha-se em soluços de agonia. O peito arfava em
espasmos sucessivos e ela tremia, esfregando as mãos na saia: "Que nojo!
Nojo! Nojo!"
Mais tarde
da noite apareceu da penumbra outra mulher. Chegou ao portal do salão e
estacou. Vestia o negro na corrente de profundo abatimento. Olharam-se. Não se
conheciam decerto, mas era como se se soubessem. Aproximou-se, margeou o
esquife, como chegasse aos pés de um precipício, e deitou a mão levemente na
perna esquerda do falecido. Com breve, seu olhar transmudou de grave a
enlouquecido, desesperado. Deitava em lágrimas convulsas, num choro pesaroso e
inconsolável de encontrar eco nas demais cabinas mortuárias. Mais um pouco, até
seria possível invejar Edmundo na sua condição de morto.
Safira
assistia passiva, comovida e atônita. Por um momento, não se sentia mais só. Na
verdade, não sentia nem o próprio corpo, nem a mesma dor.
Aproximou-se
da outra, tocou-lhe os dedos e pronunciou-lhe um beijo na testa. Voltou à
poltrona, tomou a bolsa e, num suspiro profundo e sem olhar para trás, se foi,
enquanto a enlutada subia, ainda trêmula, no caixão de Edmundo, aninhando a
face saudosa sobre o seu peito e, como uma jura imortal, morreu com ele.
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