“Eu também amo a sua mulher!”, afirmou Padilha, o seu melhor amigo,
numa sinceridade brutal, quase desumana. Honório, mais ébrio do que uma adega, duvidou
dos próprios ouvidos, recusando a crer naquela despropositada revelação.
Silenciado, largou o copo no balcão e partiu para casa, encontrando a esposa a
esperá-lo na sala, acolhendo-o como uma Pietá. Jogando a cabeça tonta em seu regaço,
compartilhou o acontecido. “Que cretino... e na minha cara, Madalena! Ele está
pensando que sou o quê?” Ela sussurrou ao seu ouvido: “Calma, paizinho. O que
importa é quem eu amo: você. Só você.” Então, sovado por beijos da amada, foi deitar.
Porém, Honório teve pesadelos: “Madalena não... Ela não! É minha. Só!”. Pela
manhã, ainda doía-lhe o juízo. “Como pôde, minha filha? Nós éramos tão amigos.
Ele vivia aqui em casa. Olha no que deu.” Ela nada dizia. Pegou-lhe a mão e a beijou,
suave e apaixonada. “Esqueceria”. Mas ele não se esqueceu. Pelo contrário. Daquele
dia em diante, entranhado de ciúmes, determinou-se a perseguir o seu rival,
que, de fato, nem se esforçava para sê-lo.
Nos bares
e no trabalho, Honório encontrava amigos em comum e não perdia a oportunidade
de contar a desfaçatez “daquele sujeito”. Eles diziam não acreditar e se
mostravam solidários: “Sentir uma pontinha disso ou daquilo vá lá, mas
confessar assim, na cara do marido, é uma insanidade.” O certo é que, depois, cada
qual com seu motivo, vez ou outra lhe segredava: “Vi a Madalena hoje. Estava
com o safado do Padilha.” Ele enlouquecia e ligava dali mesmo para tomar
satisfações com a esposa, à sombra de um meio-sorriso do alcaguete. Ela, a
princípio, calmamente, dizia ter sido um acaso. “Ele também estava lá e mal nos
cumprimentamos. Ele nos respeita, amor.” Honório, ferido, não se convencia:
“Não quero saber de você em tititi com esse ordinário. Com qualquer um, mas com
ele nunca, ouviu bem?” Isso aconteceria outras vezes. Assim, quando a mulher
saía de casa e não lhe dizia o destino, ligava anonimamente para a secretária
dele e perguntava: “O Padilha está? Tem certeza? Vai passar a tarde aí?” Mas se
ele ali não estivesse, era batata: “Foi ao encontro dela... cachorro!” Começou
a exigir que a mulher só saísse após lhe contar e bem contado aonde iria. Ela,
já bastante incomodada, mas sem querer piorar a situação, dizia, e ele logo
questionava: “E ele vai estar lá? Tem chance de ele estar lá?”
Também na
cama, quando não se saía bem, explodia: “É o Padilha. Deve ser praga. Quando
penso que aquelezinho pode estar agora se imaginando com você, tocando em você,
isso me acaba, minha filha... eu não presto!”
Nas
ocasiões sociais, dominado pela sua neurose galopante, se Honório o visse
chegar, segurava, a ponto de machucar, a mão de Madalena. Chegasse perto, ele a
arrastava. E se ele ousasse apenas olhar para ela, de imediato, ouvia: “O que foi?
Não vê que esta senhora está acompanhada?”
Madalena
não cabia mais de tanta vergonha e humilhações. Não queria mais sair de casa,
não ia às compras, deixou de trabalhar, trancava-se no quarto, desgostosa até de
olhar pela janela, pois decerto ouviria: “É ele que está aí fora? Se eu o vir,
o quebro de pau!”
Após meses
de angústia, enfraquecida, definhou a olhos vistos e, sem ter nem para quê,
morreu!
No
velório, mais do que tristeza, percebia-se uma ansiedade do viúvo. Estranhamente,
perguntava a todos o tempo inteiro: “E o Padilha, ele não vem? Ele já chegou?
Cadê o Padilha?” Adiou por horas a missa e o enterro da mulher na esperança da
iminente e aguardada chegada do suposto amante que, por fim, não veio.
Do
cemitério mesmo, sem dar ouvidos ao conselho dos amigos, correu à casa de Padilha.
Bateu-lhe à porta desesperadamente. Quando ele o atendeu, surpreso, ouviu de
Honório: “Padilha, você está bem? Não está doente, sentindo-se mal?” “Não... eu
estou ótimo, claro. Por quê?” “Por quê? Cara, e que diabo de amor é esse seu,
hein?”
E caiu
num pranto inconsolável, esparramando-se em soluços no ombro do cúmplice
amoroso.
Quantas vezes nós criamos algo e nos alimentamos, nos envenenando... Formidável! Sempre amei contos. Parabéns.
ResponderExcluirObrigado, Fátima, pela leitura. Sim, ciúme envenena e mata. Tanta coisa poderia ser resolvida com mais amor... mas amor de verdade é para poucos.
Excluir