Era
de uma loucura por beijo. Fazia
tudo, de tudo, por um beijo. Não lhes negassem um beijo por nada. Antes a
morte! Embora, entre últimos suspiros, não abrisse mão, digo, a boca, do derradeiro
beijo.
Fosse
uma mocinha inexperta, pregada à soleira dos castos anos, a avistar ao longe as
guirlandas de uma ingênua paixão, vá lá! Mas ouvir de um homem feito,
quarentão, mais vivido e passado do que colarinho de político, o discurso
meloso sobre um mero beijo, soava para nós tal qual uma extravagante
promiscuidade.
De
fato, Nicolau era um homem comum, sem nenhum dote a justificar o aparente
sucesso com as mulheres. De novo, apenas aquela devoção à teoria sobre o beijo,
que, em alguns momentos, para nosso deleite de mesa de bar, assumia um tom
sobrenatural:
–
O beijo, meus amigos, não duvidem, é o mais poderoso afrodisíaco que há na
Terra. Escolho as mulheres pelo beijo. Entrego-me àquele que me há de ser
sempre doce e profundo, pleno, demoroso, longo e largo como uma vida inteira...
Daí,
em torno de um Tristão de olhos cerrados, surgia uma aura frouxa, como rósea
névoa, a lhe tomar o rosto e o peito, enquanto naqueles lábios subitamente
tácitos, eu juro, podíamos sentir a presença do fruto etéreo em sua boca
fanaticamente desejada.
Não
era segredo para ninguém. Aliás, ele mesmo fazia questão de espalhar a sua tara
por bocas. Até as mulheres que, por fado, lhe caiam na conversa, sabiam
da sua fama de imodesto e cobiçoso beijador. No começo, foi levado no pagode, mas
depois, com o tempo, veio o incômodo da vizinhança. Suas vítimas avolumavam-se
dia após dia. O inaceitável é que, após o previsível desenlace, elas sofriam
horrores, dignas de uma viuvez de falecido vivo. Maldiziam o desgraçado,
choravam às esquinas, mas nunca que jamais o esqueciam. Por toda a região se
sabia: "Ai de quem as tivesse depois de Nicolau..."
O único que parecia não se inquietar com isso era o próprio Nicolau, a se passar
tão serelepe quanto antes, entregando os beiços sedentos a novas candidatas
seduzidas pela experiência idílica de seu beijo vicioso.
Os
outros rapazes, num misto de vergonha e incompetência, passaram a hostilizá-lo,
assim como os familiares das ex-namoradas. Afinal, lhes parecia inconcebível
aquela impudica e inarredável dependência pela boca alheia, o que fez com que o
galã se visse obrigado a sair menos às ruas. E, quando o fazia, era um
rebuliço: as mães cerravam as janelas dos quartos das moçoilas já inclinadas à
tentação, enquanto procuravam, com custo, segurar as demais, ainda por ele
encantadas, na busca desesperada de uma calorosa reconciliação.
Numa
manhã, o inevitável: "Nicolau foi encontrado morto, provavelmente a
pauladas, numa vereda do boqueirão", contou-nos, com descarado alívio, o
delegado, pai de uma das moças beijocadas pelo “libertino”.
Deste
modo, muitas mães também eufóricas ao receberam as “boas novas” abriram as
cortinas e as janelas das alcovas de suas filhas que, assim como outras
surpresas e honradas mulheres, naquela mesma manhã, despertaram, para o espanto
geral, sem bocas.
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