quarta-feira, 28 de junho de 2017

"Ao Balanço da Leitura Brasileira", de João Soares Neto


“Os leitores são os meus vampiros”.
 Ítalo Calvino

Semana passada, escrevi sobre a baixa remuneração dos professores e a consequência disso no fraco aprendizado do brasileiro. Hoje, vou repassar para vocês as informações que a Câmara Brasileira do Livro, a Fundação de Pesquisas Econômicas, o Ibope Inteligência, o Instituto Pró-Livro e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros tornaram públicas na edição do dia 02 deste junho do Caderno Eu&Fim de Semana, do Valor.
Foram lançados 51.819 livros em 2016, menos 1,16% do que os 52.427 publicados em 2015. De qualquer forma, são 427,2 milhões de exemplares. O total das vendas desses exemplares corresponde a 5,27 bilhões de reais. É um número razoável, não fosse a quantidade de brasileiros aptos a comprar um livro e não o fazem. Desses 5,27 bilhões foram gastos 1, 40 bilhões de reais em aquisição pela administração pública federal, estadual e municipal.
Nesse trabalho está dito que 56% dos brasileiros admitem ser leitores. Indagados se gosta gostam de ler, as respostas foram: 30% gostam muito, 4% não sabem ler, 23% não gostam de ler e 43% admitem que gostam um pouco. Indagados se compraram um livro nos últimos três meses, 26% afirmam ter adquirido. Enquanto isso, 74% disseram que não.
O que parece ir ficando claro é o provável desapego da maioria dos brasileiros pelo hábito da leitura, pois 30% nunca compraram um livro sequer. Por outro lado, neutralizando o fato, 31% afirmam que compraram um livro nos últimos três meses, enquanto 6% dizem que o fizeram nos últimos seis meses.
Os que leem são influenciados pelos fatores a seguir: assunto(30%), dicas de terceiros(11%) autor(12 %), título (11%), capa(11%), dicas de professores(7%), críticas ou resenhas(5%), publicidade(2%), editora(2%), redes sociais(1%), outro(1%) e 8% não sabem ou não responderam.
Sei que ler números não é prazeroso para muita gente. Todavia, os que compram livros, influenciados pelos fatores acima, necessariamente, não concluem as suas leituras, mas isso não foi levantado pelos que compõem o mercado editorial brasileiro que está em crise. Comprar não significa ler.
O que me alegrou foi o fato do Nordeste possuir 26,2 milhões de leitores que são comparados por 25% da população. No Sul, ao contrário, só há 13,7 milhões de leitores.  O Sudeste fica com 48,3 milhões de leitores, enquanto o Centro-Oeste conta apenas 8 milhões de leitores, o mesmo número que a região Norte. Como se vê, apesar de não termos grandes editoras, ficamos em segundo lugar, leitores, perdendo apenas para a região Sudeste.
De tudo o que foi enumerado e dito, conclui-se que estamos um passo atrás dos leitores europeus. Ora direis, eles têm tradição em leitura. Por essa razão é que devemos tentar ultrapassá-los. Em outra fonte, fica claro que a Bíblia é, bem longe dos demais, o livro mais lido ou consultado do planeta Terra apesar dos cristãos não serem, longe, a maioria, dos habitantes.
Vou ficando por aqui. Não poderia deixar de dizer, mais uma vez, que esta semana é crucial para o Brasil, o país das crises ininterruptas. Os brasileiros estão todos ressabiados e crentes que um milagre aconteça. Afinal, Deus é brasileiro e o Papa é “hermano” argentino.






sexta-feira, 23 de junho de 2017

"Os Pobres Diabos": o drama e o circo, de Raymundo Netto para O POVO


“E o palhaço o que é? É ladrão de mulher!!!!”, clama à corneta um Daniel Diaz sobre pernas de pau cambaleantes e sob a pele de um desromântico palhaço Pororoca – para nós, os palhaços e o circo foram muito ilustrados pelo cronista Ciro Colares –, assediado por crianças curiosas e ao som do tambor de Meio Quilo, personagem de Sâmia Bittencourt, composta em delicadeza imagética e ambígua – era um palhaço ou uma palhaça? –, nas ruas quentes e luminosas do povoado aracatiense, anunciando não Os Pobres Diabos, mas, sim, o Circo, que sempre foi e sempre será “o maior espetáculo da Terra”.
O longa, cuja direção e roteiro são de Rosemberg Cariry, é uma clara e reflexiva homenagem aos artistas circenses – ou à sua capacidade de sobrevivência – que ainda hoje transpõem as porteiras e veredas das cidades mais esquecidas e carroçáveis do interior nordestino a comungarem a sua arte. No centro das atenções: o Gran Circo Teatro Americano! Muito feliz a alusão à “Santa Ceia”, onde o milagre da multiplicação do pão pode não acontecer amanhã. Protesto poético pela forma como se faz e promove a arte no país: de pires na mão, joelho ralado e mostrando os fundos, sem saber se amanhã o show continua. E o que é pior: sem público e sem aplauso!
Inevitável – penso que não apenas para mim –, diante da grandeza do tema, trazer ao picadeiro outros filmes cuja mágica nos cirquearam um dia, como: O Circo (1928), de Charles Chaplin – o maior de todos, o fura-bolo e o cata-piolho, tudo junto –, O Rei do Circo (1954), com Jerry Lewis, Bye Bye Brasil (1979), de Cacá Diegues – uma delícia a história da famigerada “Caravana Rolidei”, película que conquistou o ingresso na lista dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos, da Associação Brasileira de Críticos de Cinema –, Os Saltimbancos Trapalhões (1981), de JB Tanko, e O Palhaço (2011), de Selton Mello  – no qual o ator interpreta o palhaço Pangaré a contracenar com o grande Paulo José, o palhaço Puro Sangue. No filme, a participação engraçadíssima de Moacir Franco.
No elenco de Os Pobres Diabos: Sílvia Buarque, no papel de Creuza de Guadalajara – sem dúvida, uma nova versão de “Salomé”, personagem de Betty Faria em Bye, Bye Brasil –, uma cantora e dançarina de rumba, mãe da menina Izaura – o futuro do Circo –, infeliz com as condições precárias impostas pela vida. É casada com Zeferino, vivido por Gero Camilo, sua primeira participação em longa-metragem na terrinha natal, que apesar de demonstrar ciúmes dos galanteios de Lazarino (Chico Diaz) para a sua amada – algumas das sequências mais humoradas do filme são provocadas pelo triângulo amoroso –, nos parece mais apegado à cabra Genoveva, que é quem garante o seu leitinho “milagroso”. Zezita Matos, que recentemente protagonizou o surreal Mãe e Filha, de Petrus Cariry, interpreta a irmã de Arnaldo, o proprietário (Everaldo Pontes), aquele que diz acreditar que a arte é capaz de vencer a tudo. Com a arte e muita paciência... Daí, na trilha sonora, surge em meio à lona velha, remendada, às gambiarras naturais da itinerância e do nomadismo frequente, principalmente sob o escaldar do sol intolerante, a melancólica canção de Gardel: “El Día que me Quieras”. Fantásticos o clima de realismo do filme e as sequências de ”bastidores”.
Ganhador do Prêmio de Melhor Filme, pelo júri popular, e Prêmio TV Brasil do Festival de Brasília, Os Pobres Diabos apresenta uma fotografia, direção de arte, figurino e cenografia deslumbrantes. O elenco se expressa notadamente teatral, acentuado, naturalmente, na encenação do drama da crise no inferno, no qual todos daquela família circense assumem um papel à luz mais do que legítima da boa literatura de cordel. Nos princípios do circo brasileiro, uma de suas maiores atrações era a representação de dramas, coisa que a Associação dos Proprietários, Artistas e Escolas de Circo do Ceará (Apaece) já vem há algum tempo tentando resgatar. Textos adaptados do romanceiro e da tradição popular, provocantes de lágrimas e/ou gargalhadas. Sucesso para garantir o reingresso do público.
Por ser obra de Rosemberg, contista, poeta, cineasta, pesquisador e promotor da tradição popular nordestina, não poderia dar em outra: cinema, literatura, teatro e resgate. Aliás, em Os Pobres Diabos, assim como as demais produções da Cariri Filmes, o resultado é uma estética autoral de cinema independente, de experimentação (com licença ao improviso), de construção de linguagem, ambientada no espaço do regional e conferindo visibilidade à cultura do povo nordestino.
Vida longa ao Gran Circo d'Os Pobres Diabos, e que se abanque nos melhores cinemas do Brasil.

Atenção:
Estreia nos cinemas no dia 6 de julho de 2017.

Assista ao trailer oficial
https://www.youtube.com/watch?v=oWU4tgxHEuo

Curta, compartilhe e compareça!





sábado, 3 de junho de 2017

"Adolfo Caminha: 150 anos", de Sânzio de Azevedo para O POVO

Ilustração: Carlus Campos

       Temos um sesquicentenário: Adolfo Caminha, que nasceu no Aracati em 29 de maio de 1867, honra as letras de sua terra, e veio a falecer no Rio de Janeiro em 1º de janeiro de 1897, portanto antes de completar trinta anos de idade.
       Notável ficcionista, dois livros seus, A Normalista (1893) e Bom-Crioulo (1895), garantem sua presença na literatura brasileira.
       Foi oficial da Marinha, fez parte do Centro Republicano do Ceará e, apesar de ter tido uma polêmica com Antônio Sales, foi convidado por Sales para ser um dos membros da Padaria Espiritual, o mais original dos grêmios cearenses do século XIX. No jornal do grupo, O Pão, escrevia a secção “Sabatina” com o nome de guerra Félix Guanabarino.
       Mas antes disso foi protagonista de um escândalo, ao se ligar a uma mulher que o amava, mas que era casada, e com um alferes do Exército. Depois de idas e vindas, como seus superiores quisessem mandá-lo à Europa, decidiu se demitir e foi ser funcionário do Tesouro.
       Começou romântico na literatura, mas seu primeiro romance, A Normalista (1893), é obra naturalista, como o segundo, Bom-Crioulo (1895), tendo este último sido traduzido para o inglês, o francês, o alemão, o turco e não sei mais quais idiomas...        
       Para dar uma ideia de sua prosa, leiamos o início d’A Normalista: “João Maciel da Mata Gadelha, conhecido em Fortaleza por João da Mata, habitava, havia anos, no Trilho, uma casinhola de porta e janela, cor d’açafrão, com a frente encardida pela fuligem das locomotivas que diariamente cruzavam defronte, e donde se avistava a Estação da linha férrea de Baturité.”  
       Várias edições desse livro foram publicadas com alterações indevidas, mas, com a ajuda do saudoso José Bonifácio Câmara, pude preparar em 1998 uma edição com base na primeira, de 1893.
       Aliás, o Armazém da Cultura, dirigido por Albanisa Lúcia Dummar Pontes, está editando esse livro, assim como a 3ª edição de Adolfo Caminha: vida e obra, escrito por mim em homenagem a esse escritor, que é o Patrono da Cadeira nº 1, que tenho a honra de ocupar na Academia Cearense de Letras.
       O escritor publicou ainda um livro de viagem, No País do Ianques (1894) e um de crítica, Cartas literárias (1895). Após sua morte saiu, com a data de 1896, Tentação, seu último romance.
       Graças a Ítalo Gurgel, a Coleção Nordestina publicou, pela UFC, a 2ª edição das Cartas literárias (1999) e o livro Contos (2002), com onze narrativas do escritor.

Sânzio de Azevedo
Doutor em Letras pela UFRJ;

membro da Academia Cearense de Letras



O Ficcionista Escandaloso: Adolfo Caminha, de Raymundo Netto para O POVO


O professor Sânzio de Azevedo, em suas “Palavras Prévias” à biografia Adolfo Caminha: vida e obra*, observa: “Poucas são as vidas de romancistas do Realismo brasileiro que se relacionem estreitamente com a sua obra ficcional. Uma delas é a de Adolfo Caminha, uma existência breve e ao mesmo tempo atormentada.”
Nascido há 150 anos, em Aracati, e falecido há 120, no Rio de Janeiro, Caminha alcançaria o prestígio de ser, mesmo sem ultrapassar os 30 anos de vida, e com três romances (A normalista, Bom-crioulo e Tentação – este, póstumo), um livro de viagem (No país dos ianques) e outro de crítica (Cartas Literárias), um dos maiores nomes da corrente realista-naturalista no país.
Aos 13 anos, órfão de mãe, foi levado ao Rio de Janeiro, onde iniciou-se no exercício literário escrevendo poemas para as revistas Fênix Literária e Revista Escola de Marinha. Lá, na Escola da Marinha, cometeu seu primeiro grande ato de rebeldia quando da, então recente, morte de Vitor Hugo. Convidado a discursar como representante do grêmio literário a seus colegas, autoridades da marinha e ao imperador Pedro II, ao final, bradou: “Ah, não poder ele assistir à nossa marcha triunfal para a Abolição e à República!”. Como o imperador compreendera ser aquele apenas um arroubo da mocidade, a constrangida direção deixou passar. Entretanto, também em 1885, escreveu um manifesto e recolheu assinaturas contra o tradicional “castigo da chibata”, decidido a publicá-lo em jornal, não fosse descoberta a sua intenção pela direção que novamente o repreenderia, agora cogitando a sua disciplinar expulsão, o que não aconteceria.
Em 1888, já oficial, por motivo de saúde, pediu transferência a Fortaleza. Com tanta paixão à literatura, não demorou para envolver-se e conquistar a admiração de seus pares, participando e fundando agremiações e publicando em periódicos, até que a sua “paixão” voltou-se também a jovem Isabel, o que não seria de se estranhar, não fosse ela casada, inda mais com um oficial do Exército. Uma das cenas que se destaca em sua história, é quando Isabel, após uma briga com o marido enciumado, deixa a sua casa, de braços dados, à luz do dia e de todos, com o amante, indiferente às ameaças de morte e aos receios de amigos. Caminha, mais tarde, diante das insistentes pressões de comando, acaba por pedir demissão da Marinha, em prol de assumir de vez o seu maior romance.
Em 1891, com a certeza de não existir crítica literária no Ceará, Adolfo lançaria a sua Revista Moderna. E é nela que iniciaria extensos embates com reconhecidos autores da época, como Antônio Sales – que mesmo assim o convidaria para integrar a Padaria Espiritual – e Rodolfo Teófilo, ao mesmo tempo que protestaria contra a construção da estátua de um governador falecido, o paulista Caio Prado, enquanto José de Alencar, escritor a quem o Ceará tanto devia, nunca, até então, havia recebido similar homenagem.
Em 1893, já residindo no Rio de Janeiro, lançaria A normalista: cenas do Ceará, sentida por alguns críticos como uma vingança do autor contra a “barbaria semicivilizada de uma capital provinciana”, como Araripe Júnior descreve a Fortaleza de então. Dois anos depois, O bom-crioulo, por ter como temática o homossexualismo, em pleno século XIX, como protagonista um negro e como cenário a mais antiga das Forças Armadas brasileiras, causou repulsa e a incompreensão social, a “execração pública”, como afirmou o próprio autor, vítima de “ato inquisitorial da crítica”. Curiosamente, nos anos de 1930, durante o Estado Novo, o Bom-crioulo chegou a ser confiscado sob a alegação de ser obra “comunista” e mesmo nos próximos 30 anos, renomados críticos não recomendariam a sua leitura.
Enfim, muitos são os fatos que nos comprovam a personalidade controvertida de um temperamental e abusado Adolfo Caminha, de forma que, ao mesmo tempo que demonstra em alguns momentos a presença de espírito e caráter, noutros parece não ter nenhum, entretanto, é impossível tirar-lhe o mérito de ficcionista criativo, audacioso, experimentalista, que nos legou obras que marcam seu merecido assento na literatura brasileira.

(*) Em breve, a editora Armazém da Cultura divulgará o lançamento de Adolfo Caminha: vida e obra, de Sânzio de Azevedo, revisto e atualizado, fonte de referência para o estudo sobre o personagem.