Escrevo em frente a três painéis
que serviram de decoração para a festa de lançamento de Os búfalos de Campanário, o primeiro volume da trilogia Memória do Encantamento. O evento
aconteceu no Centro Cultural Oboé no já longínquo 2003 e a obra foi apresentada
pelo múltiplo escritor Eduardo Campos, o doutor Manuelito, como chamávamos na
antiga TV Ceará quando era superintendente dos Diários e Emissoras Associados do Ceará.
Três enormes búfalos pretos
ocupam quase a metade das telas, todos com estrela na testa e cascos junto a
cactos que brotam do chão. Imitações de xilogravuras com o carimbo da freguesia
de Santa Ana o qual surrupiei sorrateiramente e hoje assina meus quadros,
minhas ilustrações. Em cima, medalhões com outros ferros de marcar o gado. De
Ariano Suassuna e Oswaldo Lamartine de Faria; do personagem central, coronel
José do Egito, concebido pelo poeta Virgílio Maia, que também traçou as
orelhas. Ah, sim, e o carimbo de Conceição do Limoeiro do Norte e o ferro da
família Torquato, do Sertão dos Inhamuns, raízes da artista Côca.
Da cintura para baixo as telas
trazem de um tudo: daguerreótipo do Coronel e da concubina Maria Guayana; torre
de igreja, claro, com sino e tudo o mais; cão aprisionado em boião de vidro,
locomotiva, índia, sereia, seringueira, cavalo e até silhueta de soldado raso.
No rodapé, mais búfalos negros, enfileirados. Aliás, o pré-lançamento se
constituiu de imagens de uma manada bubalina em nanquim com os dizeres: “Os
búfalos estão chegando”. Funcionou. Mostrou que eu havia aprendido a lição dos
tempos que atuei na publicidade.
A ideia de fazer este romance
vinha de longe, na verdade escrevi duas versões que foram extraviadas. A
primeira, depois de pronta me desapontou. Era mais um romance regionalista,
todo arrumadinho, falando de seca e inverno. Ora, muito bem já se havia falado
nisso, Rachel, Graciliano, Zé Lins, Américo (olha aí a intimidade!), era malhar
em ferro frio. A segunda versão foi trocar seis por meia dúzia. A mesma
lenga-lenga, só que contada de uma forma mais atraente, em feitio de jornal,
influência do livro 1919 de John dos
Passos. Esqueci os alfarrábios no mais fundo do baú.
Mas aí uma história verdadeira a
me perseguir serviu de mote para o sonhado romance. Um certo senhor de nome
bíblico, Balaão das Quantas, trouxera da ilha do Marajó uma manada destes bois
selvagens para criá-los na serra da Meruoca, uma aventura. Deu-se que um belo
dia uma das reses rompeu a cerca e invadiu, assustado, o vilarejo, assombrando
Deus e o mundo. Ficou fácil, enfiei na história o povo de Santana tendo como
líder a mistura de três coronéis que conheci na infância.
O certo é que sobrou munição o
que motivou a escritura dos outros dois volumes: Migalhas para as serpentes e Voe
comigo quando desmorrer. E assim foi fechada a trilogia que se desenrola no
mesmo cenário, pra variar, Santana.
Pelo visto, pouca gente leu. Com
certeza, Manuelito, Virgílio, Eleuda Carvalho, João Soares Neto, Paulo de Tarso
Pardal, Lustosa da Costa e Jorge Tufic, autores de prefácios, posfácios e
orelhas. Tenciono editar os três num só volume para ver no que pode dar. Por
mera vaidade, aliás já locupletada.
Agora fervilha na minha cabeça
novo desafio: uma outra trilogia em cenário diverso. As locações já foram
feitas: Mucuripe, seus jangadeiros, suas putas, marinheiros, bêbados, carolas
do Padre Nilson, eleitores do Alberto Queiroz, frequentadores do Acrem e do
Terra e Mar. As velas do Mucuripe vão sair para pescar, disse o poeta.
Tropel de búfalos é bem diferente
do deslizar de jangadas sobre ondas. Talvez as duas andaduras traduzam um ritmo
de vida, minha caminhada na arte. De primeiro os rudes passos na beira do rio
Acaraú, indecisos, acanhados. Depois o singrar macio à beira dos verdes mares
bravios, maduro, consciente. Vamos em frente. Mesmo que esta nova proeza não
chegue, igualmente, às prateleiras das livrarias. Que talvez nem mais existam.
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