quarta-feira, 23 de março de 2016

"Jardim Zoológico Ecológico", de Ana Miranda para O POVO


Nicolas Behr, Ana Miranda, Raymundo Netto, 
Pedro Salgueiro e Tércia Montenegro

O escritor argentino Jorge Luís Borges nos deixou, num pequeno manual de zoologia fantástica, um dos trechos mais tocantes de sua obra. Ele imagina a primeira vez em que uma criança é levada a um jardim zoológico e, estranho, essa criança, que pode ser qualquer um de nós, irá esquecer esse momento tão fundamental para a sua consciência e o seu espírito.
É um jardim impressionante, diz Borges, em que surgem animais como jaguares, abutres, bisões, ou o mais belo e altivo do reino animal: a girafa. Borges não menciona, mas logo nos lembramos de elefantes, macacos, hipopótamos, tatus, onças negras, lobos, borboletas, siriemas... cada um desses animais, uma surpreendente, encantadora, ou divertida figura. Quase um sonho, quase um absurdo da imaginação criadora da natureza. Urros, uivos, rugidos, pios, cantos, odores, saltos súbitos, rufar de asas... E esse espetáculo que poderia causar medo à criança, no entanto, é apreciado, e tão apreciado que ir ao zoológico é uma diversão infantil.
Por que as crianças não têm medo nos jardins zoológicos? Pergunta-se Borges. Talvez porque elas já tenham visto os animais nos livros, nos brinquedos de pelúcia, nos filmes. Porque os pais as levam pelas mãos e as crianças confiam nessas indicações silenciosas. Talvez porque a criança seja, por definição, um descobridor, e descobrir o camelo não é mais estranho do que descobrir o espelho, a água, ou as escadas, diz Borges. Confirmando as palavras do escritor argentino, não me lembro de minha primeira ida ao zoológico, em minha infância. Mas lembro de levar meu filho, meus netos, e do encanto arrebatador que eles sentiam ao descobrirem os animais. E ver, e rever, e rever infinitamente.
Os zoológicos não são mais vistos com bons olhos, ali os animais vivem em cativeiro, fora de seu habitat, subjugados pela raça humana... Mas aqui em Fortaleza há um zoológico educativo. É o Ecopoint Parque Ecológico. Levei duas vezes os meus netos lá, com uma criançada da Prainha. E agora, tempo de férias, é um programa imperdível para os pequenos descobridores. E para os pais e avós, com o pretexto de levar as crianças.
Alguns animais ali também estão em jaulas, ou viveiros, mas há uma diferença: o Ecopoint recebe animais silvestres apreendidos pelo Ibama ao tráfico, em comércios irregulares, denúncias de maus tratos, também animais perdidos na cidade, ou mesmo de outros zoológicos onde não podem mais cuidar deles. Esses bichinhos, quase sempre maltratados, doentes, famintos, são entregues ao Ecopoint, e recebem cuidados de veterinários, biólogos, tratadores, até se restabelecerem. Se voltam às condições naturais, são devolvidos ao seu habitat, libertados. Se não, passam a morar no Ecopoint. Ali estão espécimes de corujas fabulosas de olhos imensos, da arara-azul, que é a mascote do lugar, papagaios espertos, o severo gavião, as engraçadas capivaras, os divertidos macacos, as fascinantes onça-pintada e onça-parda, iguanas contemplativas... Todos animais brasileiros, alguns exclusivos das nossas caatingas, uns ameaçados de extinção.
A história desse lugar começou nos anos 1930, quando o senhor Franz Wirtzbiki adquiriu um sítio, ali no bairro de Jóquei Clube. Chamou-o de Gluck-Auf. Na região onde Wirtzbiki passou a sua infância, na Alemanha, a expressão era usada para receber os mineiros que retornavam do fundo da terra. “Feliz regresso!” Nem todos conseguiam voltar à superfície, e o menino guardou esse sentimento na lembrança. Homenageou os antepassados batizando o estimado sítio com a expressão de esperança. Os descendentes de Wirtzbiki honraram sua memória criando um instituto ambientalista, chamado Aba-Yby – homem-terra em tupi – e no sítio funciona o criadouro conservacionista Ecopoint.
É agradável o lugar, cheio de gramados, samambaias, árvores refrescantes e belas. Há parquinhos, fazendinha, arvorismo, cascata, aldeia indígena... Bichos soltos, como pavões, patos, marrecos... Crianças por todo lado, em famílias, grupos, ou excursões escolares, assistem ao espetáculo da desatinada variedade do reino animal, e ali são elas mesmas um espetáculo de sonhos e fantasias. Ali talvez aprendam a amar os animais. Decerto vão fazer descobertas. Mesmo adultos podem ter surpresas. Foi ali que vi, pela primeira vez, a jandaia, ave que é símbolo do Ceará. Eu a conhecia apenas da frase de Alencar sobre a terra natal, “onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba”. Ali, a jandaia tornou-se realidade, toda colorida, linda, dando seus chamados estridentes.

(*) Raymundo Netto: Uma coisa que a Ana, creio, não sabe, é que a Rachel de Queiroz, novamente ela, ainda jovenzinha, visitou várias vezes o local do Parque Ecopoint. Morava não muito distante (no denominado Pici), e seu pai, Pedro, era amigo de Franz Wirtzbiki. Rachel gostava de ouvir o velho alemão e ao tornar-se adulta, quando de seu casamento, o convidou para ser seu padrinho na cerimônia.


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