Criança, me cantavam sobre a
morte do boi, mandando logo a maninha buscar outro lá do Piauí. Nunca entendi
por que buscar o bicho num lugar tão distante – sempre me deram a entender ser o
Piauí do outro lado do mundo – mas veja como esse mundo dá voltas...
Enquanto aqui, no obscuro arquipélago
federal das letras universitárias, a literatura cearense continua em repetida toada
de grilo “Tem, mas tá faltando”, conseguindo estranha adesão da outrora resistente
congênere estadual, que colocou a disciplina obrigatória como optativa – PÂNICO!
–, do Piauí me chega um boi, ou quase isso, em forma de manchete a invejar:
“Alunos da Universidade Estadual do Piauí, em Parnaíba, lançarão livro sobre
Literatura Piauiense”. Hein? Estranhei. E existe literatura piauiense? Pois por
aqui uma série de desorientados em crise de identidade insistem, até quase
convencer, que não existe uma cearense, o que implica não existir também uma
brasileira, ciente de que o todo só existe por suas partes.
Mas deixando esse tédio de cá de lado, o
certo é que os alunos do curso de letras do Piauí decidiram organizar e
publicar um livro: “uma produção acadêmica para além da síntese
biobibliográfica, mirando na crítica literária e formando um panorama que
abarca boa parte do espectro de nossa literatura”. E dizem mais: “tentamos
resgatar a riqueza literária piauiense que nem sempre é valorizada. [...] Através
da poesia e da prosa, de uma linguagem própria, do jeito simples dos
personagens, do amor, da saudade, do canto da natureza local e de seu espaço
geográfico, vemos surgir a literatura piauiense e alma de um povo.”
Penso que devem ter lido o francês Marc Augé,
aquele que afirma: “o imaginário e a memória
coletivos constituem uma totalidade simbólica em referência a qual um grupo se
define e por meio da qual ele se reproduz de um modo imaginário ao longo das
gerações”. Devem daí compreender o seu berço “enquanto um sistema simbólico
coletivamente compartilhado”, na certeza de que quando brigamos pela nossa
identidade, exigimos o nosso direito de sermos diferentes!
Então, vejo com alegria nas
redes sociais, ou por meio de amigos que escaparam do calabouço escuro
acadêmico, gritarem em nome da literatura baiana, paraibana, pernambucana, brasiliense,
mineira, piauiense... e a cearense.
Pois é, mói, enquanto o boi
não chega, ficamos por aqui, olhando de longe para a torre do Benfica, cercada
por espinhos e dragões, iluminada apenas por “aliterações” e alguns alunos mais
ousados que dizem querer conhecer esse mistério indesvendável que é a
literatura cearense, bela e adormecida, filha do príncipe morto, que deveria
ser ensinada e fomentada nas carteiras de sala de aula, mas não são. Passam sânzios,
batistas, anos e anos e onde se espera encontrar uma LUZ, só nos resta o
silêncio ressentido das TREVAS!
Vemos esta questão pela janela, Raymundo. Tua crônica é bastante lúcida. Precisamos nos desencastelar, urgentemente. Do contrário, vamos continuar a ler e a louvar apenas o que surge no horizonte do famoso eixo do sudeste. Vôte!
ResponderExcluirSim, severamente. rsrsr Cada voz tem a sua força e unidos podemos mais. Nem preocupo-me com a literatura contemporânea, mas é inaceitável que a história literária não seja devidamente registrada e pesquisada.
ResponderExcluirExcelente texto 👏👏👏👏
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