De nossas janelas gradeadas, todos os dias todos, a
violência nos conduz à insegurança e ao medo. São muitas as desculpas e mais
ainda as mentiras. O descaso, o pouco caso ou nenhum caso, a inconsciência, a
inconsequência, a essência do mal-estar social. Eu mesmo perdi as contas de quantas
vezes fui assaltado. Na maioria das vezes por jovens, quase adolescentes, quase
crianças, mas sempre bem armados. Nos acostumamos com o tempo, mas a dor dói
mais, pois a ferida que não sangra, também não sara.
Os criminosos são encorajados por um paraíso de
orientações ilusórias de segurança: Não reaja, entregue suas armas, entregue
tudo, não se meta com eles, finja que não os viu, que não viu nada, finja que
vive e respire só se for preciso, e, de preferência, não arrisque, não viva
muito, não saia de casa... apenas!
Pior também é ser assaltado diante de/ou por um
juiz, cúmplice em nome de uma estranha lei que privilegia quem mente, quem tem
dinheiro, quem tem poder, e ainda entender, numa arrogância pedante de escola, que
está cumprindo o seu papel, quando, fosse honrado, procuraria um lugar
impotente entre as pernas para enfiar seu vergonhoso cabedal de reprimendas e códigos
caducos de tempos.
Violada nos é a democracia, achincalhada nos
gabinetes, nas câmaras e assembleias por bate-bocas teatrais, pela imposição do
voto obrigatório, por caras eleições de indecorosas alianças, pelo sistema
único de licitações fraudulentas, pela carnavalização dos interesses mesquinhos
em troca de pão, pela esbórnia partidária de "destros" e "sinistros"
cujo gozo se dá à custa da carne cheia de erupções cutâneas de nossas crianças,
pelo Estado capitalista que vende tudo e se vende, e que um dia há de explodir,
antes mesmo de assumir-se podre, gordo, a boca escancarada e cheia de dentes
cariados de seu deboche e competência em não promover a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, a não erradicação da pobreza e da
marginalização, a não redução das desigualdades sociais e das discriminações de
qualquer tipo e a não promoção do bem-estar geral. A demorragia é o que impera
no país.
Daí, as praças tomadas à espera da sopa e do
aguardente, os valores esquecidos, os parques e rios sendo devastados, o
rolezinho da cultura do concreto e a majestade do lixo, todo ele, a humanidade
inteira de resíduos. Uma Fortaleza chinfrim, descoberta, feia e enlameada, de
braços abertos e a bunda arrebitada nas coxias, pedindo esmolas padrão FIFA –
assim como a corrupção –, enquanto em seus terminais o estranhamento e o medo
vêm acompanhados de impossibilidades e da correria histérica em seus túneis e
corredores: usuários apavorados, nem eles sabem do quê, tentam preservar o
único bem que lhe resta: a vida! Sete assaltos por dia nos ônibus da cidade,
sem contar os assédios, o trânsito difícil, os perigos de se andar nas ruas. À
noite, por conta de incêndios, podem não voltar para casa. Passageiros, homens,
mulheres e crianças, chegam aos terminais, mas não vai ter ônibus hoje. E quem
quer saber? Cansados, catam o fundo dos bolsos. Às vezes, nem pra água dá.
Deitam num banco, colocam a bolsa embaixo da cabeça e, porque não conseguem
mais chorar, culpam-se por sonhar em como seria bom não ter que acordar para o novo
dia.
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