Elano alterou
o compasso da vida de muita gente. Explico: Eu o conheci no quarto final dos
anos 60. Nesse tempo, eu, recém-formado, havia voltado dos Estados Unidos após
concurso. Por último, estivera na Europa onde alguns formandos em administração
tiveram a audácia de, por ideia nossa, ir ver o Velho Mundo. Passagens luminosas
na Fundação C. Gulbekian, em Lisboa,e na École Nationale de Administration, em
Paris. Rodamos, de ônibus, pela Espanha, Suíça e Itália. Em Roma, furamos o
cerco e vimos o aparato do Concílio Vaticano II.
De volta, posto
em estudos e trabalhos múltiplos. Solteiro, participava, à noite, de turma no
Náutico. Eu era o benjamim. Entre outros, pontificavam Fernando Távora, Lustosa
da Costa, Lúcio Brasileiro e Danilo Marques.
Um dia, o Danilo
informou que iria ao aeroporto apanhar o engenheiro Elano Paula. Disse que Elano
estava querendo entrar no sistema financeiro da habitação do BNH. Eu, saído,
falei: li tudo sobre o BNH. Na verdade, por minha inata curiosidade e formação
em direito, havia lido a legislação do SFH. Danilo arregalou os olhos e pediu
para levá-lo ao velho aeroporto no meu Karmann
Ghia (cupê da VW com design italiano da Ghia).
O carro só
possuía dois assentos na frente e o “banco da sogra” em que mal cabia um. O
Elano, no assento do passageiro. O Danilo, atravessado no tal banco,
apresentava-me e informava que eu havia lido os “livros do BNH”. Elano, de
esguelha, perguntou: você sabe o que é Iniciador? Disse o que alcançara.
Encurtando a
história, o Elano me desafiou a ir ao Rio, sede do BNH, para desentravar
processo que dera entrada há tempos e não saíra. Com condição: se eu
resolvesse, seria pago. Caso contrário, nada. Fui e logo alcancei o objetivo.
Acontece que
eu recebera convite para novo curso no exterior. As passagens esperavam na
Varig, na rua Barão do Rio Branco. Comuniquei ao Elano, que, matreiro,
retrucou: “se você for ficar lá, tudo bem. Mas, se for para voltar ao Ceará, o
que você sabe já basta”. Pedi adiamento e devolvi as passagens.
A ideia do
Elano, salvo engano, foi apresentada pelo Danilo ao Walder Ary, jovem professor
da Escola de Engenharia da UFC: criar empresas correlatadas de construção,
financiamento, indústria e planejamento para atuar no nascente BNH e fora dele.
Nasceram empresas. Master, depois Master- Incosa,Iplac, Domus, Credimus,
Modulus, Estrela, Planos e outras. Maturidade e arrojo.
Juntaram-se
à ideia valorosos nomes: João Parente, Crisanto Almeida, João Fujita, Lewton
Monteiro, Antônio Porto, Lauro Lopes e outros mais. Posso dizer, sem exagero,
que esse pessoal, misto de jovens e maduros, possuía multiplicidade de
talentos, quase um embrião de universidade. Chegaram, depois: Ricardo Ary,
Walter Monte, Raimundo Padilha, Idelfonso Rodrigues, Deusmar Queiroz, Almir
Caiado, Alfredo Marques e Wagner Brito, entre outros. Todos com contribuição distinta
para o êxito comum. A mim coube dirigir a área de planejamento, a Planos.
Volto ao
Elano. Ele não alcançara bom sucesso no Rio. Fora sócio do irmão, Chico Anysio,
em negócios que não prosperaram. Elano fez tudo em rádio e em TV, por trás das
câmeras. A letra de “Canção de Amor” é dele. A melodia é de Chocolate. É standard romântico.
Aqui, montara a Incosa, atuante em construção
pesada. Mas, a sua inventividade estava além de pontes, asfaltos e obras
públicas. Era devaneador arguto e inveterado. Possuía espiritualidade, cultura
humanista e ideias não convencionais. Por sorte minha, trabalhamos e convivemos
por cinco anos.
Um dia, lá
na Indústria Plástica Cearense S.A. (Iplac), da qual eu era diretor
administrativo, disse ao Elano: “decidi que quero ser independente e não mais
participar do grupo”,então em franco crescimento. Ele nem perguntou a razão. Apenas,
comentou: “eu esperava isso”. Abraçamo-nos.
O
Nisabro acompanhou-me e, juntos, montamos a Cenpla. Dois anos depois, falei o mesmo
a ele: “quero ficar só, para saber da minha verdadeira capacidade”. Era o
princípio. Permaneci com a Planos. O Nisabro se quedou com a Cenpla e com o
Elano. Tudo criterioso.
Mantive
sempre a amizade com o Elano, a quem admirava, longe dos negócios, como
pensador além da centralidade. Foi uma das centelhas que me fez conduzir a
Planos até aqui, reta.
Já no século
XXI, composto por três, ele, o Chico e eu, criamos o blog Maranguape, que durou anos. Prefaciei e revi livros escritos por
ele e em parceria com o Chico Anysio. Ele absorvera a internet e passamos
a trocar e-mails e a nos encontrarmos para papos aqui e no Rio, onde mantivera
morada. Paredes ricas com quadros maravilhosos, inclusive alguns pintados por
ele e o irmão famoso. Presenteou-me com uma marinha do Chico e uma
entrada com portão, dele.
Sábado
passado, no seu velório, ouvi as falas emocionadas do seu sócio José Medeiros
Neto, da sobrinha Cininha de Paula e de Deusdetiza Silva. Eu, por meu turno,
olhando o seu corpo, proferi quase as mesmas palavras que agora escrevi. “Canção
de amor, saudade”.
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