De poesia, solidão e gatos
Eles passeiam no livro. Em passos de pisar em pano
caminham pelas folhas de papel reciclado. Das histórias, verdes olhos
brilhantes espreitam quem lê. Olhar conhecedor do que está guardado no volume,
onde moram. Olhar cúmplice de tantas solidões. Os gatos são espectadores da
vida que passa. O tempo parece não afetá-los. Se cansam de existir, somem. Sabe
disso quem teve tias velhas solteironas em casas estreitas e compridas,
os bichanos por companhia. A impressão de um bocejo preguiçoso revelador de
rósea língua e finos dentes. Imagem saltada das entrelinhas ou da memória. Que
vontade de permanecer nessas páginas... Com essa gente que se revelou tão
minha. O cheiro do café, as cadeiras na calçada, as canções. Quase esquecera
que existiu um mundo sem pressa. Sem pressa termino a leitura de Os Acangapebas. E hesito em devolver a
poesia tomada de empréstimo aos felinos guardiães das crônicas e dos contos de
Raymundo Netto. Nos cantos dos olhos, surpreendem-me lágrimas de uma emoção boa
de sentir. Com a palma da mão repito na capa o último gesto de carinho:
"(...) Lindo!"
Marília
Lovatel, escritora e educadora,
ganhadora do Prêmio Nacional Jovem escritor (1988), coautora (com
o filho Matheus Lovatel Pena) de Templária:
cidade entre mundos (Novo Século) e autora de Sala de Aula e outros contos (Scipione), indicado para o Catálogo
de Bolonha.
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