Um amigo me contou que seu pai, ao vir
passar uns dias com ele na capital, comentou mais ou menos assim: “Meu filho,
eu não gosto daqui porque a vista da gente termina cedo, bate num muro, ou numa
casa, parece que quer voltar para dentro dos olhos. No interior não, tudo é a
perder de vista!”. O interior de que ele fala é propriamente o campo, nicho
primitivo do homem, onde terra e céu parecem dar as mãos, onde as retinas não
encontram obstáculos para a sua liberdade.
E foi pensando em liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que a explique, e ninguém que
não entenda, como disse Cecília Meireles, que compreendi perfeitamente a queixa
do pai do meu amigo. A liberdade começa pela vista, ou melhor, pelo alcance da
vista. É por isso que amamos o mar. Mar é sinônimo de liberdade, é antítese de
limite. Uma vez à beira-mar, já nos sentimos viajantes. O segredo é levantar os
olhos. Antigos marinheiros, mui amantes da liberdade, inconformados com o
infinito, achando pouco o imensurável, atiraram-se por oceanos nunca dantes
navegados e foram além da Taprobana ou do Bojador. Para eles, liberdade e
felicidade eram mais do que uma rima. Estava criada a expressão além-mar.
Comparo cidade sem mar com casa sem
quintal. Limita os movimentos, suscita a claustrofobia. Toda cidade deveria
possuir pelo menos muitas praças e, se possível, um bosque. Tudo isso traduzido
chama-se liberdade, muito embora liberdade não seja apenas isso.
Nas décadas de 1960 e 1970, filmes de
faroeste faziam grande sucesso. Homens montados em cavalos viviam as mais
bravas aventuras, soltos pelas pradarias, montanhas e vales, sempre a divisar
um rio valente ou uma planície sem fim.
Por que razão tais películas exerciam
tão mágico efeito sobre os espectadores? Acredito que um dos motivos era
exatamente a tal liberdade. Já observaram como a paisagem do Velho Oeste é
ampla? Quem não gostaria de estar na pele do herói, solitário ou não, a varar o
mundo sem preocupação com horário, tempo bom ou ruim? Mesmo sabendo que nem
tudo é bonança na vida do caubói, o público se identifica com a sua liberdade.
O caubói é o sujeito mais livre do mundo e só tem na vida três compromissos:
manter-se vivo, municiar sua arma e alimentar seu cavalo. O resto vem de
sobeja: algumas belas mulheres, o frescor do riacho de águas límpidas, um novo
sol a cada dia e, principalmente, a paisagem infinita a perder de vista.
Já escafandristas e astronautas não me
remetem à liberdade. São monitorados, controlados, assistidos e dependem de
indumentária complicada. Para respirar, necessitam de aparelhos de oxigênio e
de alguém que os controle. Na maioria das vezes sua paisagem é monótona e seus
movimentos restritos. Não, definitivamente, isso não é liberdade. Só a paisagem
a perder de vista faz a alma se encontrar.
O homem construiu sacadas, torres e
mirantes, inventou binóculos e lunetas, porque entende que a liberdade entra
pelos olhos. Mesmo olhos incapazes de reter a luz flertam, intimamente, com o
infinito que traduz a grande libertação, vislumbre do “reino de Deus” que mora
dentro de nós.
Um dia, a humanidade descobrirá, por
certo, que a tão decantada liberdade só frutifica quando semeada no solo da
alma. Quando todo homem aprender essa lição de liberdade, poderá voar “das
cristas do Himalaia aos píncaros dos Andes” (como disse Castro Alves) e repetir
com Chaplin estas palavras do discurso final de O Grande Ditador:
“Levanta os olhos, Hannah! A alma do
homem recebeu asas e finalmente começou a voar. Voa para o arco-íris, para a
luz da esperança. Levanta os olhos, Hannah! Levanta os olhos!”.
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