Ao lado de Dorival Caymmi e seu violão.
Cheguei no Rio num sábado à noite, me
arranchando num apartamento à Beira Sol de
Ipanema, na Visconde de Pirajá, Zona Sul, quase ao lado da praça General
Osório, onde, no dia seguinte, pousaria a Feira
Hippie de Ipanema, dita como "a maior galeria de artes e artesanato do
mundo". Mas não é não, ó! Os expositores me asseguraram que ela acontece
todos os domingos, desde 1968, aquele ano que o Zuenir, numa Ventura, não
deixou terminar, até repousar finalmente no assento da Pedra do Reino Suassuna.
Após visitar a Feira, perguntar sobre um
monte de coisas, bulir em tudo e não comprar nada, caminhei para a praia, a
duas quadras, curtindo o sol, o mar e as
suas "garotas", certo de que Ipanema seria "só felicidade,
como se o amor doesse em paz" e que ali "mesmo a tristeza da gente
seria mais bela". Vejam que a poesia é a coisa mais perfeita do mundo,
pois se atreve a fazer de tudo uma lindura, mesmo a fealdade ou a tristeza.
Entreguei-me à praia do Diabo,
"vagando na lua deserta do Arpoador". Subi em suas rochas, como
Dante, numa trilha estreitíssima, a ver o horizonte brilhar de azul enquanto na
fronte recebia os estilhaços de ondas quebradas com a violência de uma natureza
desesperançada.
Lá embaixo, cansado de esperar, Millôr
Fernandes. Lembrou-me ele, que em 1948, Erna Miriam Etz Kaufmann (1914-2010),
uma estilista e pintora alemã que vivia no Brasil, escolheu aquela praia para
apresentar aos quadradistas nativos, pela primeira vez, o biquíni (na verdade,
era um maiô de duas peças que confeccionara).
Caminhei e caminhei, invisível, num
calçadão interminável de pedras portuguesas onduladas com cara de novela das
oito, cada compasso uma volta de catraca, uma pernada, um movimento radical de
skate, até esbarrar com a "Princesinha do Mar". Coisa musical aquilo
ali. O vento sussurra que nem João Gilberto e eu não podia ver ninguém com
chapéu Panamá assobiando para passarinhos que logo pensava: é o Tom?
Entrei no Forte de Copacabana,
construído em 1918, repleto de famílias domingueiras, a beber cerveja gelada da
Colombo genérica. O sol estalava no mar, faiscando no verde e no dorso na
morena. Visitei o Museu do Forte e as suas exposições. Sentei-me nos bancos,
tirei fotos, ouvia as conversas, puxava outras.
Ao sair de lá encontrei o Dorival Caymmi,
próximo ao Posto 6. Acho que ficou feliz em me ver. Pediu-me uma canja, mas eu
não acho que seja doce morrer no mar e vazei, sentando ao lado de Drummond e
lhe perguntando, afinal, o porquê de Raimundo morrer de desastre em sua "Quadrilha". O entregasse à
Teresa ou à Maria, a troco do amor que se leva ou daquele que se tem...
Ao final da tarde, após emburacar numa lan-house ruim para bater um ponto
virtual por umas descuidosas horas, regressei ao Arpoador para assistir ao seu
famoso pôr do sol, que chegaria, por trás dos dois irmãos, naquele dia, mais
tarde, numa hora transgênica de verão.
As pessoas — todas, até as
criancinhas de chupetões —
se juntavam, paravam, soltavam bicicletas, skates e pranchas, sentavam no
calçadão e lançavam o olhar, como iscas, na direção do alaranjado céu. Era como
se a vida pedisse licença ao tempo para se fazer ouvir.
Encerro a leitura do celular e o pensamento
rebusca: "É mesmo impossível ir ao Arpoador e não ver o mar."
Excelente!
ResponderExcluirÔ "caba" bom, cada vez "mió!. Rs.
Obrigado, Lucineide, pela leitura de sempre. Abração.
ResponderExcluir