sábado, 4 de outubro de 2014

"Voto Útil: Eleitor Inútil", por Raymundo Netto


Há muito anos ouço falar na necessidade da Reforma Política. O negócio é tão sério que é sempre deixado para depois ou para nunca, apenas lembrado durante essas eleições de araque, de derrama de dinheiro, de compra e venda de almas. Na verdade, a quem interessa mudar ou aperfeiçoar o sistema eleitoral nacional e o sistema político se o negócio do jeito que está beneficia a alguns, os mesmos, principalmente àqueles que detêm o poder e/ou o capital?
A minha primeira eleição para presidência do país se deu em 1989. Havia um clima de festa, ares de liberdade, de power to the people ou mesmo de make love not war, ou sei lá mais o quê. Nas calçadas salpicadas de vermelho, bandeiras tremulavam nas mãos de amigos com olhares brilhantes (ao contrário dos "escorados" de hoje), soltando canções ou palavras de ordem sufocadas por um "Tempo Perdido", a engatinhar numa proposta democrática nova, pelo menos para nós que éramos jovens, tão joveeens...
Naqueles dias, os debates paralisavam as cidades diante da TV. Os grande nomes da política nacional, porta-vozes de todos os segmentos — era-se ainda possível falar de direita e esquerda, uma distinção hoje aparentemente démodé —, estavam lá, e parecia que, mesmo com o eterno e injustificado desequilíbrio de espaços nas propagandas políticas, de volume de recursos e dinheiros distribuídos de forma antidemocrática e antiética, havia algo de bem claro no jogo do "quem é quem".
A vitória do Collor, candidato eleito por meio de "efeito miragem" produzido pela Globo, que enricou durante a Ditadura, e pelas revistas de "artigos de leilão" (Como a Veja e Isto É), que ainda se vendem nos dias atuais — lembrando que as mesmas que ajudaram a elegê-lo, foram as primeiras que revelaram o lado obscuro do outrora "Caçador de Marajás" após o seu "singular" impeachment —, frustrou, ao mesmo tempo em que parecia ensinar algumas primeiras lições dessa nossa democracia neófita.
Hoje, as fórmulas, me parece, não mudaram. Ao contrário, se aprimoraram e aperfeiçoaram as práticas mais desavergonhadas, ou seja, aquelas que nós, eleitores, estamos sempre provando funcionar! Basta ver: "eles" continuam lá.
Mesmo com toda boa vontade do mundo, não posso crer que empresas doem, sem esperar nada em troca, UM MILHÂO DE REAIS para campanhas de candidato. Essas mesmas empresas que não contribuem, nem por decreto, com instituições carentes nem financiam artistas por meio de renúncia fiscal, de repente aparecem em listas de campanha com generosas contribuições, é de estranhar, não é?
As revistas e jornais apoiam candidatos com propostas mirabolantes e difusas de "nova política", que, em tese, só engabelariam os mais ingênuos e tolos, se apoiando em "fantasmas" e em frases sentimentais, apelando para o lado mais frágil do ser humano, principalmente aquele que prefere se levar pelo coração do que pela cabeça. Um pecado mortal quando se pensa em governança.
As pesquisas, que deveriam ser proibidas, pois são manipuladoras e não confiáveis, principalmente aquelas divulgadas nos jornais justo no dia da eleição, influenciando aqueles que estavam no limbo, em dormência letárgica, despertando naquele dia por conta apenas de outro crime contra a democracia que é o voto obrigatório, razão da participação de centenas de milhares de moleques, irresponsáveis, ignorantes nas cabines eleitorais. Por mim, esses poderiam muito bem passar o dia na praia, beber cana, assistir um filminho em família, passear no parque, pois não se prepararam para o pleito, muitas vezes sendo responsáveis pelas vitórias de "A Onde é", de Débora Soft, e de outros "candidatos deboches". O resultado a gente vê e sente depois, mas creio que os eleitores dessa "tribo" nem lembram em quem votou.
Mas uma coisa que me incomoda muito é o voto útil. Pessoas que, mesmo não acreditando, nem simpatizando, nem encontrando nos astros ou em folhas de chá, lagartixas na parede, qualquer coisa de VALOR que justifique votar na criatura, insiste em fazê-lo apenas "para tirar o outro" ou "porque é ele que pode ganhar". Isso é antigo, medieval e tem outro nome: harakiri! (pode chamar de suicídio, se quiser).
Já tomei para mim essa lógica, mas hoje não dá mais para engatinhar na insuportabilidade dos maus resultados dessa conduta. Temos que correr porque o tempo está passando e as pessoas estão brincando, vendendo a nossa paz, a nossa saúde, a nossa educação, a nossa vida em troca de seus joguinhos partidários, enriquecendo muita gente boa que vai continuar discursando maravilhosamente, pois somos livres de expressão. Nós precisamos começar essa tal "reforma política" a partir de nossa mentalidade, repensar essas estratégias equivocados que herdamos ainda nos nossos primeiros dias republicanos.
Assim, meus amigos, ninguém precisa votar no Eunício ou no Camilo, por exemplo,  porque estão liderando as pesquisas ou votar neste para derrubar aquele e vice-versa. Votem naquele que apresenta as propostas que você quer para seu estado ou país, independentemente se ele pode ganhar ou não. Não se trata disso. Vote naquele cuja história fala por ele. Quem nunca fez, ou melhor, quem nada fez ou fez exatamente o contrário do que hoje prega, esse não vai mudar agora. Penso eu que quem pratica o voto útil é um eleitor inútil. Eu não quero ser inútil e votarei naquele candidato que, ganhando ou não, não me pesará na consciência. Para mim, perder o voto é entregá-lo nas mãos de quem não acredito, isso sim é PERDER e talvez seja o maior crime que podemos praticar contra o nosso povo, mesmo estando esse mesmo povo embriagado de promessas e discursos formulados e copiados por assessores caríssimos, especializados na arte de brincar na lama. Que Deus nos proteja!


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