Minha
análise faço em mesas de bares ou restaurantes, mas não as
dispenso, assim como não dispenso bons pares de orelhas, geral e
exclusivamente de amigos, pessoas realmente queridas, pois quem me
conhece sabe: só como com quem gosto. Assim, ser convidado para
comer comigo é uma espécie de homenagem, da mesma forma que, por
motivos outros, também não ser convidado pode ser outra.
Em
uma macarrônica conversa com a biógrafa radialista Lílian Martins
e com o poeta Madjer (com dois “Y” de destino), exerci o direito
ao aluguel e pus a falar de tudo o quanto minha filosofia de bolso
dispunha de céu e de terra — de mar não poderia, pois a Lílian
tem alergia a tudo que dele provém, como sereias, lagartos gigantes,
vagas incidentais e outras pancadas afins. O tema descambou para a
busca eterna e frustra da felicidade.
Disse
e repito: não estou nem aí para a felicidade. “Você não quer
ser feliz? Todo mundo quer!” Pois é, não penso nisso. Pode até
ser de um dia, tão feliz a encontrá-la sentada à minha calçada —
quando tiver uma — e que tenha sorriso livre e brilho no olhar —
e, sem querer abusar, um par de grossas pernas — já que não vejo
graça nenhuma em pessoas de olhar embaçado e sorriso de
empréstimos.
Mas
não, eu mesmo não busco por isso. Se quiser, que me encontre ela
numa das esquinas de ventos revéis que sigo sem medo ou dúvida, a
procurar por nada e seguindo em frente no passo do coração
desamado, pero encantado pela marcha de um tempo só meu a soprar-me
todo o trilhar de uma minha vida.
Minha
história sempre me foi de uma liberdade incômoda. Uma constante
busca de dentro a sacudir de tudo para fora, mudando meu destino a
cada ato, trazendo-me à vista personagens diversos curtidos, amados,
contidos e deixados para trás em lamentos ecoados de retrovisores
num difícil e possível exercício de perder quase que sempre.
Meu
olhar de ver páginas em branco, sem carimbos e clichês, sem o
ilusório deslumbramento de vitórias, sem fracassos irrepetíveis,
sem respeito nenhum a opulências e vaidades, ferramentas de gente
fraca, dissimulada e egoísta, tragadas pela lascívia cerebral.
Desprezo as caricaturas de lustro e os pedintes empavonados que não
me valem nada a frente daqueles que trago no peito como amigos,
colhidos numa seleção tão segura de admiração e carinho a
trazer-lhes sempre comigo, mesmo quando nas eternas noites
caminhantes pareço-me estar perdidamente só.
Para
trás, olho sempre, e demorosamente, de não me perder, a ruminar as
páginas já coloridas, de gravá-las no peito, como fosse possível
não esquecer jamais daquilo que janãomais existe.
Pensando
bem, tudo o que quero é tão pouco... Felicidade nesse mundo, não
creio. E, se existir, aconselho: devemos esquecê-la. Basta-nos SER.
Quando nós conseguirmos ser nós mesmos, nos encontrarmos,
fatalmente ela também nos encontrará, e se deitará conosco em
estrelada noite de esfuzilante e perfeito amor.
Raymundo,
ResponderExcluirGostei da crônica. Está afinada. Acho que é mesmo por aí, porque muita gente perde a felicidade à procura da felicidade e termina infeliz. Ora, a felicidade, se existir, é no caminho que se trilha. Sentada numa esquina a nos esperar, não creio.
Forte abraço!