O sujeito vai envelhecendo e, crente de
que a velhice por si só vai lhe dando sabedoria, passa a criar para si inúmeras
(e inúteis) teoriazinhas. Uma delas, e das mais bestas, me assegura que os
amigos e familiares se dividem em dois grupos distintos e opostos: O dos que
adora o fim de ano – são os “puros de espírito”, os que tiveram uma infância
feliz, os que sentem saudades de tudo (especialmente da meninice); estes mal
veem chegar o novembro e já adquirem um estranho brilho nos olhos, riem (e
choram) por qualquer coisa, ficam mais pacientes e ternos, passam a se
preocupar com coisas bobas, como lavar o cachorro, fazer listas de presentes.
Mas não só isso: revivem o ano todo de modo mais otimista: fazem balanços,
estilam promessas, enfim, escrevem de letra vermelha na agenda frases
edificantes que sugerem a si e ao mundo que se tornarão pessoas melhores e mais
felizes. O segundo grupo detesta qualquer rito de passagem, seja ele religioso
ou mesmo o da mera marca do calendário – são os de “almas pesadas”, os que
carregam nos ombros o peso do mundo, os que têm aftas no coração: estes só veem
interesses comerciais nas mil luzinhas de Natal em cada janela de subúrbio,
apenas vislumbram hipocrisias nos cumprimentos risonhos e nos apertos de mão
entre vizinhos e colegas de trabalho: repassam em suas mentes as infinitas
mazelas do ano que passou, as inúmeras tristezas que carregam no coração, as
matrículas do colégio dos filhos, o negrume que a luz deixa por trás de
qualquer objeto.
E para tornar mais baratas as muitas
teoriazinhas que me povoam a desocupada cabeça chego rapidamente à conclusão de
que o mundo se divide entre os otimistas e os pessimistas.
***
Entre os bobões românticos e os chatos
realistas.
***
Entre os Fabianos e as Sinhás Vitórias.
Entre as Cachorras Baleias e os Soldados Amarelos*.
* Referências a personagens do livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos, que
inicialmente se chamaria O Mundo Coberto
de Penas.
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