sábado, 1 de outubro de 2011

Sobre "Depois do Sempre", de Alexandre de Lima Sousa, por Raymundo Netto



Depois do Sempre, terceiro livro de poemas de Alexandre de Lima Sousa, foi um dos contemplados pelo Edital do Prêmio Literário para Autor (a) Cearense da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, categoria POESIA, Prêmio Caetano Ximenes Aragão, em 2010.
Em sua apresentação de si mesmo, na orelha do livro, Alexandre já diz “poeta, letrista, leitor. Professor de Filosofia e quase cético. Minhas mãos, minha casa, minha rua, praia do Futuro, Fortaleza, você que está lendo, outras pessoas, nós.”
Assim, aponta-nos um “quase”, ainda bem senão não teria se inscrito num concurso público, nem suportaria a vida de professor, inda mais de Filosofia, ao mesmo tempo em que se coloca numa posição determinantemente coletiva, de inclusão, de acolhimento, em plena atitude poética.
Na capa, um envelope (de Rafael Limaverde). Seremos nós, todos nós, leitores, depois do sempre os seus destinatários? E o que isso significa para seu remetente a descrever seu livro como “recados recebidos das coisas, das instâncias, das passagens e das dispersões. Recados emitidos, retransmitidos, incididos no fora. Rol de atalhos, uma saída, pausa, descontinuando. Cadernos no começo. Em seguida Estado de Sítio. Depois do sempre é não mais o mesmo gesto e já outro enredo”.
Depois de Sempre é uma coletânea de ene poemas, divididos em 5 momentos denominados por seus títulos de abertura. Abre-se o livro, como deveriam ser abertos todos os livros, com “novidade”, onde afirma sê-la “é sempre a mais puída e esquecida dentre as demais camisetas que sob o efeito do fastio numa manhã de estio você resgata da gaveta.”
Percebe-se no texto, assim como nos demais que se seguem em fila de angustioso lirismo, além do minimalismo do autor, traduzido no que seus poemas curtos permitem ver, alter-ego de icebergs, o desprezo às vírgulas, aos pontos, às iniciais maiúsculas, o estado de reflexão sobre as coisas do mundo contextualizadas em seu cotidiano, em observações aparentemente corriqueiras, acentos que imprimem características de sua estilística ao mesmo tempo que aproximam o leitor da sua também realidade, identificando-se, conferindo-lhe verdade e humanidade: “o excesso da fumaça de gelo assim como embaça pode enfim reduzir uma fama à mera farsa” ou “Sono da avenida, janela em descanso, catalogação de tudo no espelho do olhar, a parte de um corpo à parte de um outro, duração do descompasso cotidiano e nunca” ou “Sou parte quase à parte de alguém que se passa por mim”.
Poderíamos falar sobre influências, mas sempre as penso como algo perigoso e inútil. Drummond, Bandeira, Gullar, Leminski, quem sabe? Nem precisamos saber. A beleza fala por si, tal qual retrato pintado com as tintas metafóricas: “Ao bailar a só e por si, em plena brisa, a libélula se deu à noite que nua de luar a face do breu silentemente alisa com uma das asas da dama sem par”
Chega-se ao esboço de um tratado. Vê-se a transgressão e a inquietude em Alexandre: “Um grão de areia significa nada e nada significa. Um cisco no olho pode vir a ser um tratado de metafísica”. Ou em seu “Ambíguo”: “Mas do que sou pareço ser”. Ou, simplesmente, o singelo trecho a dizer “quem dera fosse tão menos doce e tão mais mole a rapadura!” Aliás, para que a frustra tentativa de explicar os sentidos ou não da poesia, já que esta não se presta a etiquetas? Esta, sim, que não sabemos a que(m) servem ou a que vem, assim, como todas as artes sem serventia, como todos os ódios, como tudo que embaça a nossa vida. Assisto à confusão do poeta: “Quantas vezes errou o atalho, a palavra, o instante? Quantas vezes errou a nota, o acorde, o ritmo? Quantas vezes errou o bote, o alvo, a mosca? Quantas vezes errou o objeto, o desejo e a culpa? Sempre, sempre que foi uma besta, um homem ou deus.”
Percebe-se facilmente em sua leitura, e daí uma nota à parte, a capacidade imaginativa do autor, às vezes surreal, a sua ousadia, o imprevisto como manifestação artística na tentativa de supor a realidade: “Cala em mim, cada sim, como fosse não.” ou em “O eco pode até falar por si, é apenas uma questão de saber ouvir. Quando em vez, o torpor do respectivo brado descontinua no futuro silêncios do passado...” Ver também o seu dilema solucionado que afirma ou afirma-se: “Não diametralmente um mentiroso; tão somente poeta” ou “Mesmo cansado compus uma canção de ninar capaz de adormecer-me trinta anos atrás”
Mérito também do autor a trazer musicalidade nas paredes de seu verso de precisar ouvidos para ler: “Por onde passam pensares, as sombras destes já passaram” ou “Ária necessária e mais que necessária aos ouvidos. Silêncio. O ser do silêncio esvaindo em sustenido.”
A vida para o artista, em especial ao poeta, é sempre incompreensível. Uma luta diária num mundo artificial de quase plástico, sem muitas vitórias a serem ostentadas: “Sempre desconfio de quem pinta sem se sujar. Natureza morta, aquarela linha do mar. Autorretrato ou em qualquer composição é crucial que as tintas toquem as mãos.” Ou “Muito mais farsantes do que se suspeita, todas as verdades desmoronam ante as frases desfeitas por sob o silêncio naquele momento pelo qual se sabe não ser o suposto mar morto tão morto quanto presumimos, nem tão cristalino, este cristalino que cega enquanto vê.”
Bela ainda é a nítida fusão da imagem com a palavra: “Quando a palavra quando não se divisa, se vê a eternidade”. Ou em “O elefante não era um elefante. Era uma banheira bem cheia de sujeira e espuma.” Ou em  “Quem pode adivinhar os pensares do vento?” ou a invenção engenhosa, quase ou toda lúdica, de sua máquina de sumir: “Sua máquina de sumir consistia numa venda acolchoada com feltro negro confortavelmente cerrando os olhos por meio de um velcro da mesma cor”
Vento, sol, lua, noite, manhã, folhas, pássaros, rio, cogumelos, pólen, moscas. É a natureza impregnada em nosso de novo cotidiano que formula as hipóteses na azáfama laboriosa do autor deste livro leve como “murmúrio latente por entre a língua, o silêncio e os dentes”.
A diversa formatação e a construção de seus poemas também sugere a experimentação e a versatilidade, ou tentativa de não cristalização, da sua escrita. Mas, como próprio diz da estética: “se explicada, estática”.
Um dos elementos mais presentes em sua temática são o vento e o eco. Que bom, pois não dá para Depois do Sempre ainda sermos mais apenas os mesmos, o que vale para toda boa poesia, que o vento não leva e que ecoa no peito de muitos e muitos, o que já é mais que bastante para não se deixar esquecer e colorir a nossa vida.

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