27
de setembro de 1836: data do
aniversário de um dos maiores nomes da Literatura Cearense, o introdutor do
Romantismo no Ceará, o poeta e abolicionista Juvenal Galeno. Fosse vivo, teria
188 anos. Aquecida a cabeça pelo gorro
turco, estaria balançando em sua rede branca a cofiar as barbas de nuvem,
assistindo ao mundo através de sua mais absoluta escuridão. Talvez versejasse:
“E o tristonho bardo cego,/que só pensava em morrer,/Por causa de tanto
estímulo/Sentiu-se então renascer./E logo ditou mil versos,/Que não podia
escrever.” Ao seu lado, caneta e papel em mãos, estaria uma das filhas, a dra. Henriqueta
Galeno – que é como a chamavam –, a que nunca casou nem saiu daquela casa
verde em cuja platibanda traz uma branca lira, assinalando para a sociedade
cearense, sempre distraída, que ali se encontra, se não em corpo, mas em
espírito, desde 1886, não o criador da poesia popular, que afirmar isso é uma
asneira, mas aquele que em pleno século XIX foi o pioneiro de tudo o quanto se
refere a nossa Literatura. Para mim, não há dúvida: o equipamento cultural mais
legítimo do Ceará é a Casa de Juvenal Galeno, edificação de pelo menos
138 anos, constituída como centro de cultura desde 1919 – o poeta ainda vivo –,
sendo na primeira metade do século XX parada obrigatória para todos(as) artistas,
intelectuais e políticos nacionais e internacionais que por aqui aportavam,
sendo eles(as) encantados(as) pelo lume do nome de Galeno e pela recepção
daquela balzaquiana moça, sua filha, recém-formada em Direito, uma das
primeiras mulheres do estado, dotada de elevada cultura, nascida naquela casa
que a acolheria por 77 anos, até que, há 60 anos, em 10 de setembro de 1964,
partiria ao encontro de seus familiares queridos, a quem tanto devotou sua
vida... mas ela não seria apenas isso!
Henriqueta era inquieta, aguerrida,
inconformada com diversos traços da sociedade naqueles anos de festejada Belle
Èpoque. Entre eles, o machismo. Seria ela, então, sufragista, lutando pelo
direito de voto das mulheres, defensora do divórcio – apesar de nunca ter
casado “para não errar” – e umas das vozes que se aliaria ao nome da renomada
feminista Bertha Lutz no II Congresso Internacional Feminista, no Rio de
Janeiro, em 1931. Nos próximos anos, teria entrevistas suas publicadas em
diversos periódicos do país e viajaria para o Sudeste, elevando a sua voz em
nome do empoderamento feminino, da igualdade de tratamento e de oportunidades, clamando
que as mulheres precisavam ganhar o seu sustento próprio para ter a sua
independência e igual poder de decisão nos rumos de seu lar. Ao mesmo tempo,
promoveria a Literatura produzida no Ceará, da qual era exímia conhecedora, e,
como esperado, testemunharia sobre a vida e a obra do pai, tema constante nas
rodas sudestinas, inclusive pela incansável divulgação realizada pela irmã
caçula, não menos importante, Julinha Galeno, que após o primeiro
matrimônio, passou a residir em outros estados e durante a vida inteira
participaria e lideraria entidades litero-culturais na qualidade de poetisa e
de colecionadora e promotora da obra do pai poeta.
Também em 27 de setembro de 1936,
Henriqueta criaria a Falange Feminina, denominada, a partir de 1942, de Ala
Feminina da Casa de Juvenal Galeno, instituição que, hoje, completa 88 anos de
existência, criada para acolher e promover a literatura produzida por mulheres
que sabiam encontrar apenas naquela Casa o incentivo e a esperança de se verem
publicadas e respeitadas como artistas.
Em 2024, a Coleção Nova Terra
Bárbara (EDR), organizada e coordenada editorialmente por Raymundo Netto,
lança o perfil biográfico de Henriqueta, de autoria da jornalista e escritora Natercia
Rocha, fazendo jus a essa mulher tão especial, explorando suas dores e
conquistas, ressignificando e ampliando a importância da Casa de Juvenal Galeno,
que é também a casa da mulher Henriqueta Galeno. Vivas!