Ao contrário do que o nome insinuava, Gastão era um genuíno “mão de vaca”.
Aos mais próximos, perguntassem pelo seu dinheiro, respondiam: “nem a cor”.
Esperança, quando moça, solteira e
sonhadora, deixou-se levar pelos ouvidos: ela tinha tudo para conquistar aquele
coração ainda virgem e distraído do mundo. Afinal, o rapaz até que era
bem-apessoado e, mexericavam, apesar da tímida, humilde e descuidada aparência,
possuía fortuna. Dito e feito. Gastão se rendeu, não fácil, aos encantos das
pernocas de Esperança, pendulares na calçada do armarinho “Kerim”, negócio
herdado de família. Entretanto, contrariando os contos de fada, nos quais o
“felizes para sempre” vem logo após o casamento, neste, de Gastão e Esperança,
mesmo antes dele a coisa já descia ladeira abaixo. Para começar, Gastão exigiu
que os pais de Esperança bancassem tudo, da igreja à lua de mel, pulando a
festa, que só servia para encher o bucho e a cara de oportunistas. “Gastar com
festa para quê?” Porém não abriu mão dessa “economia”, levando-a consigo para
as núpcias em imprevisto motel barato, deixando os pais de Esperança na maior
penhora.
Retornando de uma lua sem queijo nem
mel, encontramos uma Esperança abatida, magra e com imensa dificuldade de se
adaptar à rotina imposta pelo marido. Faltava de tudo naquela casa. Às vezes,
nem onde sentar. Quando reclamava, ele dizia: “Para quê gastar com mobília?
Precisamos de espaço.” Mas o pior mesmo era a ausência de água encanada. Sempre
que precisasse, ela teria que pegar água do poço no quintal. O barulho
estridente das roldanas dava-lhe nos nervos. Gastão, debruçado em suas
obsessivas contas, acompanhava esse movimento diário: “Lavando a louça do
café... aguando as plantas... lavando a casa... lavando a louça do almoço...
tomando banho... preparando o meu...”
Esperança se queixava: estava cheia de
calos nas mãos, sentia dores nas costas, aquilo lhe tomava o dia inteiro, não
poderiam contratar uma empregada? “Gastar com empregada para quê? Uma estranha
em casa? Só se for para nos roubar!”
Aos domingos, na hora do almoço, Gastão
dizia ser tomado por uma súbita saudade dos sogros e se convidava à mesa, mesmo
quando Esperança ficava em casa: “Gastar com almoço para quê? A comida da sua
mãe é incomparável.”
Durante anos, Esperança haveria de
continuar a sua labuta exaustiva de puxar a balde a água da casa, diante das
desculpas prontas do marido. Queria vestido novo para ir à missa: “Gastar para
ir à missa? Deus está aqui também!” Queria ir à cabelereira: “Gastar com
cabelos? Corta bem curtinhos... eu gosto!” Queria viajar: “Gastar com viagem
para que se vai voltar sempre?”. E se queria comer alguma coisa diferente, ele
liberava uma caixinha de creme de leite e a despejava no que estivesse mais
perto, fosse pão, ovo, macarrão... Sobretudo, Gastão também achava um absurdo
as contas da farmácia e, tendo detectado um “sopro no coração”, decidiu não
gastar com remédios e médicos. Então, após receber cobrança de fornecedor, teve
um piripaque e defuntou ali mesmo, prostrado sobre o seu venerado livro-caixa.
A notícia se espalhou, os familiares correram ao local e encontraram Esperança
apática ao lado do marido morto. Todos demonstravam um dissimulado interesse,
choravam, abraçavam a viúva e se ofereciam para ajudar nos preparativos dos
rituais fúnebres. Foi quando Esperança pegou um velho surrão sujo e com esforço
colocou o morto dentro. Fechou o saco, o arrastou ao quintal, o jogou dentro e
bem no fundo do poço e mandou um pedreiro selar a sua boca de uma vez por todas.
Diante do pasmo geral, a mulher, suando em bicas e batendo a sujeira das palmas
das mãos calejadas, asseverou: “Gastar com buraco para quê?”
Na semana seguinte estava ela, com os
pais, mordendo ávida e feliz um croissant
duro em um café francês. C’est la vie.