sexta-feira, 25 de agosto de 2017

"O Filme da Minha Vida", de Raymundo Netto para O POVO


Noite dessas, pisava indolente o corredor de shopping quando me lembrei de um filme a assistir, que trazia no elenco o ator Selton Mello. Já estava por lá mesmo... Com a mesma preguiça e a cabeça a rés de nuvens, comprei o ingresso. Pois não é que, quando sentei-me à câmara escura – havia além de mim apenas um casal afetado de hormônios –, descobri que estava no filme errado? Ou seja, fui assisir ao Soundtrack e acabei no Filme da Minha Vida, o que me provou, mais uma vez, que errar pode ser a coisa mais acertada a fazer.
Quando saí de casa(mento), há seis anos, perdi-me num shopping e, sem destino, esbarrei na tela prateada – já percebo um padrão. Estava em cartaz O Palhaço, também do Selton. Para mim, naquele momento, a sua temática – a busca da identidade, do significar o seu lugar e o seu fazer no mundo – era-me tão tocante, que não consegui assisti-lo inteiro, o que faria, menos melancólico e mais seguro, anos mais tarde.
Agora, ali, em uma fotografia deslumbrante de Walter Carvalho, a mirar a Serra Gaúcha, em frios anos de 1960, envolvido pelo contraste de um figurino e cenário vintage, matizado em cores quentes, ao som inocente e vibrante de “Coração de Papel” – nem vou falar de Aznavour, Dalva de Oliveira, Nina Simone (“I put a spell on you”) –, revia festas a radiolas, interpretação de novelas de rádio, lustres – o mesmo que tinha em nossa casa no Monte Castelo –, máquinas datilográficas, lambretas, paisagens de janelas de trem, estações e um luar ingênuo de anos dourados.
Entretanto, o filme, o terceiro longa dirigido e roteirizado por Selton Mello, uma adaptação livre da obra Um Pai de Cinema, do chileno Antonio Skármeta – o mesmo autor de O Carteiro e o Poeta e que cumpre uma ponta no filme –, trata de abandono.
Tony Terranova (Johnny Massaro) é filho de Nicolas e Sofia. Ele (Vincent Cassel), francês; ela (Ondina Clais), brasileira. Foi a capital para estudar e quando volta, professor de francês com diploma na mão, no mesmo trem em que chega à estação, seu pai parte, num abraço silencioso. Esse mesmo silêncio reverbera durante toda a película em forma de espinho (leia-se “poesia”), incompreensão e desgosto, no que é acudido por Paco (Selton Mello), que tenta substituir a figura paterna, e pela atenciosa e fotomaníaca Luna (Bruna Linzmeyer). Aliás, ao mesmo tempo em que as referências nos declaram uma delicada homenagem ao cinema (impossível não perceber o mesmo tom de Cinema Paradiso), também se desmancha à fotografia.
A memória é marca desse jovem diretor que, além de buscar no passado as suas referências, também nos permite encontrar personalidades, como Rolando Boldrin, que interpreta um maquinista em O Filme da Minha Vida – e que sempre soube “que a viola fala mais do que o peito humano” –, assim como o fez com Paulo José e Moacyr Franco em O Palhaço.
O filme nos diz, tanto à alma quanto aos olhos, como as escolhas, voluntárias ou não, podem tirar-nos ou colocar-nos nos trilhos, e pontua sobre o certeiro fim das coisas eternas. Poderia até criticar algumas bobagens, mas as tecnologias e o computador já nos ensinaram que a arte está na imperfeição. Outra coisa que aprendi, é que quem anda com porcos, se torna parecido com eles.
E o fim, ah, esse eu não posso contar.


Ouça a trilha musical de O Filme da Minha Vida




II Feira de Livros da Editora Dummar (10 a 18 de agosto)


Clique na imagem para ampliar!

II Feira de Livros da Editora Dummar

Quando: entre os dias 10 e 18 de agosto de 2017;
de segunda a sexta, das 9h às 20h30; aos sábados, das 9h às 19h.
Onde: Livraria Dummar,
na sede do jornal O POVO (av. Aguanambi, 282 – José Bonifácio)
Programação cultural gratuita e venda de livros* com descontos até 70%

(*) livros de gêneros distintos e de diversas editoras, como a Editora Dummar, Demócrito Rocha, do Instituto Moreira Sales, Unesp, Edusp, Editora Três Estrelas, entre outras.

Programação Cultural (10 a 18 de agosto)

Por que ler os clássicos?
Dia 10 (quinta), às 19h
Um bate-papo sobre os grandes clássicos cearenses
Com a escritora Angela Gutiérrez, o professor Sânzio de Azevedo e o pesquisador de literatura Charles Ribeiro
Mediação: Humberto Pinheiro, historiador

Oficina de contação de histórias
Dias 11 (sexta), das 15 às 18h, e 12, das 9h às 12h
Com a arte-educadora Camila Barbosa
Inscrições a partir do dia 5 em edicoesdemocritorocha.com.br

Lançamento do livro infantil “Meu irmão é um repolho”
Dia 12 (sábado), às 17h
Bate-papo entre a escritora e psicopedagoga Tatiana Sátiro, autora do livro, e a psicóloga Alice Pereira Carneiro
Mediação: Sara Rebeca Aguiar, jornalista

Entre prosa e verso
Dia 16 (quarta), às 19h
Uma conversa sobre o contista Nilto Maciel e o poeta Artur Eduardo Benevides
Com os escritores Raymundo Netto e Vera Lúcia Albuquerque de Moraes
Mediação: Jáder Santana, jornalista.

A ostra, o vento e as aves de arribação
Dia 17 (quinta), às 19h
Uma conversa sobre os romancistas Antônio Sales e Moacir C. Lopes
Com o escritor Rodrigo Marques e a professora Susana Frutuoso
Mediação: Regina Ribeiro, jornalista.

Lançamento do livro “Nelson Rodrigues pirandelliano: uma transcrição intercultural”
Dia 18 (sexta), às 19h
Uma abordagem sobre a “cumplicidade secreta” entre Nelson Rodrigues e Luigi Pirandello

Com o autor Yuri Brunello, professor da UFC, Orlando Luiz, professor e coordenador do PPGLetras/UFC, e Taynan Leite, mestranda da UFC

Venha conhecer a nossa Feira, aproveitar os descontos em obras de seu interesse e conhecer os autores de nossa programação especial.
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terça-feira, 8 de agosto de 2017

"Nas Calçadas de Raymundo Netto", por Denis Akel


No último sábado, 5 de agosto, tive o prazer de ir ao encontro com o escritor Raymundo Netto, que aconteceu às 10h da manhã, no museu do Ceará, aqui em Fortaleza. O foco da reunião, promovida pelo clube de leitura Ponto de Leitura Itinerante, seria a leitura comentada de seu primeiro livro, "Um conto no passado: cadeiras na calçada”, bem como conhecer um pouco mais de sua vida e obra.
Praticamente mal cheguei da recente FLIP, emendei esse evento, o que foi ótimo para manter o espírito, a energia, o movimento, como se houvesse alguma continuidade entre o que vivi em Paraty e agora em diante. Foi um dia de sol intenso, completamente contrastante ao frio que peguei nos últimos dias, mas um sol gratificante, quase de boas-vindas.


Cheguei ao museu percebendo logo um grande movimento em seu saguão de entrada. Não conheço direito o espaço ali, só sabia que provavelmente não precisaria subir as escadas para a área da exposição. Uma pessoa atrás do balcão perguntou: "É pro clube de leitura?" Confirmei, já imaginando quantas vezes devem ter perguntado isso. Fui encaminhado a uma salinha lá mesmo no térreo, onde já estavam dezenas de pessoas, sentadas ao longo do cômodo, entre elas o próprio Raymundo Netto, muito à vontade e sorridente.

Tive o prazer de enfim conhecê-lo pessoalmente na recente Fresta Literária. Já ouço falar dele há tempos, de suas muito bem-vindas incursões no mundo literário, de seu blog AlmanaCultura... Este evento agora viria como excelente oportunidade para conhecê-lo melhor, sua visão da cidade, tão presente em sua obra.
"Um conto no passado: cadeiras na calçada" era o destaque da roda, mas o autor começou antes elogiando a postura mais informal do clube de leitura, que ao escolher o museu, explora novos ambientes, sai do trivial, e de como isso é bom para a literatura. Raymundo Netto então falou amplamente do livro, que completa 12 anos de lançado, representando sua estreia no meio literário. Lançou numa época em que "não estava fazendo nada", brincou (essa brincadeira, aliás, perduraria toda a fala). A ideia estava nele desde seus 16 anos, inspirada numa velha casa que via nas vizinhanças de sua juventude, que um dia foi demolida. Seu processo de criação foi lento, mas contínuo. Escreveu primeiro uma parte, depois outra, depois fez um desenho e assim o livro foi-se articulando.



"Não tinha pretensão literária. Não conhecia ninguém da área. Meu objetivo era falar da cidade, sempre gostei da cidade de Fortaleza" – Raymundo Netto
Contou que levou este seu primeiro livro às editoras e órgãos públicos e recebeu muitos elogios, mas nada além disso, não era fácil publicar.
"O mundo literário é complicado demais, não encontramos portas abertas."
Netto disse que levou o livro à Secretaria de Cultura, e lhe foi apresentado a editais, que sequer sabia o que eram.
"O livro é produto do edital, fui obrigado a ir a um encontro para meio que ser divulgado e ‘provar’ a existência do livro. Achei bem chato no início". – Netto
Através de todo esse movimento, logo teve o primeiro lançamento, em 2005, e foi percebendo que o mundo literário lhe acolheu bem:
"Conheci muitos autores nestes encontros, Ana Miranda, Sânzio de Azevedo... e decidi ficar um pouco com o pessoal da literatura. Não bebo, mas estava sempre em bares, pois é onde interagia com as pessoas" – Netto
"Escrevi nesse livro tudo o que tinha a ver com a minha vida. Fui muito leitor de jornal, lia muito memorialistas, Adolfo Caminha, crônicas falando sobre a cidade. Ao todo foram uns 38 anos de pesquisa. Há nele muitas leituras espontâneas e vivências minhas. Meus avós, tios, estão neste livro" – Netto
O autor várias vezes destacou a importância de se ler memorialistas, que viam coisas que hoje não se vê mais, e citou Otacílio de Azevedo e sua percepção das luzes esverdeadas na cidade. Aproveitando a ótima estrutura do museu, com seus janelões e estilo colonial, Netto comentou:
"Encontrei muitos elementos para este livro aqui, no museu do Ceará. Tudo isso meio que me voltou agora, ao entrar aqui. O museu participa muito dessa história" – Netto
Raymundo Netto falou também de como vendia os livros e lidava com a questão dos prêmios:
"Andava com meus livros no braço, divulgando para as pessoas. Quando eu falava que ganhei o prêmio de edital, gerava interesse nas pessoas, elas ficavam motivadas, queriam ver, ler. Mas escrevo o que quero, do jeito que quero. Não é o prêmio que vai me dizer se é bom ou ruim" – Netto
"O maior aprendizado do escritor é a leitura. E ela deve ser lenta, deve-se analisar os períodos, as palavras, assim nasce o escritor. Para quem quer começar na literatura, ler 'O feijão e o sonho' é um aprendizado e tanto" – Netto
Deu um salto rápido para falar um pouco de seu livro mais recente, "Crônicas absurdas de segunda", seleção de 10 anos de crônicas suas do jornal O POVO.
Raymundo nos contou também que diagramava seus livros, que aprendeu muito de editorial quando trabalhou na secretaria de cultura, e de como se dava seus contatos à época:
"Eu ia a todos os lançamentos da cidade, todos mesmo, fazia programação para conseguir ver várias coisas no mesmo dia, de ônibus mesmo. Eu fotografava tudo, acho até que tenho registro maior que das próprias pessoas que lançavam" – Netto
"Muita gente me conhecia pelo e-mail, fazia muitos contatos por ele, divulgando pessoas, lançamentos e cheguei até a ter meu email bloqueado por enviar demais. Isso me fez ficar bem conhecido na época e através desses contatos eu mandava meus textos também. Me davam retorno, era ótimo, me diziam que tinham lido" – Netto
Falando novamente de seu processo criativo, ele relembrou histórias de infância, da rebeldia que tinha, de seu contato com o avô, que lhe ensinou a tocar violão e de como isso se reflete no livro, bem como detalhes da própria escrita:
"Quando se escreve, é bom não ser muito cerebral. Deixe livre, não se prenda tanto a seus anseios, a seus medos."
Escrevi na 1ª pessoa para que os muitos 'eus' de alguma forma trouxessem proximidade ao leitor"
"Sabia, na época, pouca coisa, era mais instintivo, das leituras que fazia" - Netto
"No tempo desse livro, escutava muito músicas da época, como Nelson Gonçalves, 'o difícil do amor é saber renunciar', e elas estão nele – Netto, citando a música "Renúncia"
“Não sei exatamente de onde vêm os nomes de meus personagens, mas não penso muito, são nomes simples, me ocorrem e os uso. O personagem principal aqui não é Américo ou Olívia, mas a cidade, sobretudo a cidade” – Netto
O livro, "Um conto no passado: cadeiras na calçada”, atualmente esgotado, tinha um único exemplar ali presente, do qual o escritor se valia para ler trechos e falar sobre. Revelou que planejava uma trilogia para ele, mas não sabe se irá em frente com essa ideia.


Falando um pouco de sua vida antes da literatura, disse ter formação inicial em fisioterapia, o que arrancou algumas caras de espanto. “Estudei muito, fiz muito nessa área, mas não me sentia de fato realizado. Passei por quadrinhos, cinema, faculdade de teologia, fiquei um tempo ‘sem fazer nada’ e hoje trabalho na fundação Demócrito Rocha”
Todos em volta ouviam atentos às palavras do autor, comentando e perguntando aqui e acolá, puxando dele mais detalhes. Percebi que muitos o conheciam de longos tempos e me senti bem por estar ali, de alguma forma interagindo com toda aquela história, aquela vivência, que até identifiquei um pouco comigo.
“Antigamente, a cidade de Fortaleza era o centro, somente o centro. Não existia rádio, TV ou internet, somente o jornal. No centro acontecia tudo”
Para finalizar a fala, Raymundo Netto leu um trecho do livro, uma leitura saborosa, de quem gosta do que faz, de quem vibra a cada palavra. Era possível sentir, perceber isso, sobretudo em seu bom humor durante as quase duas horas deste encontro. Alguém ainda comentou se ele não fazia poesia, ao que disse que até tinha tentado, mas não gostava delas. “É mais comum começar a escrever, os jovens, poesia do que prosa, sempre vejo mais” Mas eis que o pessoal do clube de leitura apareceu com um de seus poemas, impresso em folhas, diretamente distribuído a cada um dos presentes. Intitulado “Fortaleza?”, todos foram convidados a fazer uma leitura conjunta daquele texto, a um Raymundo Netto surpreso e admirado. A leitura parecia quase uma oração, puxada por vinte ou trinta vozes, que demoraram um pouco a entrar no compasso, mas logo se acertaram. A “reza” selou o desfecho da fala, terminando em aplausos efusivos.


Houve ainda vários sorteios de livros, a obra completa do autor, bem como de outros escritores presentes, feitos a partir de um aplicativo de celular. A maior vontade, após toda essa fala, era mesmo ler o livro, mas infelizmente não havia outro senão aquele na mão de Netto... que logo foi sorteado. Achei estranho ele não ser mais editado. Após uma fala tão profunda, seria ótimo que estivesse disponível a todos. Não ganhei nenhum dos sorteios, mas só em ter podido viver tudo aquilo, já me senti premiado. Acabei por comprar um dos livros de contos, “Os Acangapebas”, vendido ali mesmo no museu, para aproveitar aquela acolhida. Após palestras e falas como essa, é engraçado como de alguma forma parecemos nos sentir mais próximos dos autores, passamos a conhecê-los melhor, a enxergar melhor suas realidades, é uma troca maravilhosa. Dezenas de fotos foram tiradas, todos queriam o melhor registro daquele momento. Celular atrás de celular, a foto final, da qual até eu fiz parte, deve ter revezado mais de cinco aparelhos.







E não acabaria por aqui, ainda. Raymundo Netto convidou todos a uma breve caminhada pelo centro, para falar um pouco sobre uma Fortaleza que não existe mais, embora ainda exista. O grupo se dissipou um pouco, mas várias pessoas o acompanharam na empreitada, mesmo sob o sol do meio dia. Começando pela Praça dos Leões, o autor contou um pouco do passado, de décadas atrás, dos costumes, dos prédios do entorno, da praça em si, das árvores, do general Tibúrcio, quase com a segurança e propriedade de quem viveu tal época.


Em seguida, a turma seguiu até a praça do Ferreira, onde tivemos mais outros focos observativos, nos casarões, prédios comerciais, cujas fachadas revelavam detalhes obscuros e esquecidos, trazidos à tona por Raymundo Netto. Um pouco dessa visão do passado, em contrapartida aos dias de hoje, nos deixou quase em estado de suspensão, surpresos por ver tanta história esquecida e desvalorizada. Parar um pouco para olhar, contemplar a cidade, é cada vez mais raro, quase desnecessário para a maioria, mas é incrível o que se pode ver, ou mesmo não ver, ao fazer isso. Uma das maiores revelações foi quanto à torre do relógio: Netto disse que a praça já passou por severas reformas ao longo dos anos, mas que parte da estrutura da torre original (muito mais alta que a atual), ainda pode ser vista lá, na forma de uma cacimba. Todos correram para ver, e lá estava um pedaço vivo de memória, lutando para ser visto, lembrado, a quem se permitisse.


O passeio poderia ter sido muito mais longo, como o próprio Raymundo Netto sugeriu, mas o sol seguia implacável, bem como a fome da hora do almoço. O escritor agradeceu a todos pela presença, sugerindo uma continuação do percurso no centro um outro dia.
Saí desse encontro muito fortificado, como se tivesse vivido décadas em poucas horas. O olhar da cidade, que já é um tema muito recorrente em grande parte de meu trabalho, parece ter ganhado um impulso extra. Sentia fervilhar o frescor de novas e ambiciosas ideias.
No ônibus de volta para casa, fui me deliciando do saboroso “Os Acangapebas”, antologia agradável e cativante, fragmentos de tantas realidades misturadas, refletidas ainda na cidade, nas calçadas… do ouvir histórias, pelo prazer da palavra, do narrar.
Coloquemos as cadeiras na calçada, este é o mundo de Raymundo Netto.


Créditos das Fotos: Kátia Teles, Beto Paiva, Cris Menezes, Alque, Sonha Nobre, Ana Remígio, Silas Falcão, Beth Albuquerque, Maria Inês Ramalho, Francisco José Jr e Leonardo Nóbrega. 

sábado, 5 de agosto de 2017

"Liberdade é não Mentir!", crônica de Raymundo Netto para O POVO


Parece mentira, mas não gosto de mentir.
E o quanto não gosto de mentir, gosto em igual volume dizer “Eu não minto!”. Isso irradia em mim uma sensação de liberdade incrível, comparável até ao quinto, não digo o mesmo para o sexto, mas ao exato quinto dia útil do mês.
Minha mãe, que já herdara esse defeito da mãe dela, detestava a mentira. Para ela, a maior traição. “Quem mente engana a si mesmo!”, repetia com bravura adolescente a quem quisesse ouvir, muitos até, de berço, praticantes do exercício fraudulento da palavra, que ficavam boquiabertos – principalmente se fossem pacientes dela, que era dentista – diante daquele monumento humano de honestidade e inocência. No mínimo, pensavam: “Aí mente...” ou, os mais crédulos, “Ah, coitada...”
Decerto que mentir socialmente pode ser considerado um treino da criatividade e/ou da diplomacia, muito útil para calar aqueles instantes de incômodo silêncio nos quais não é saudável trocar palpites sobre política, futebol e/ou religião, restando pouco a fazer com a língua. Há quem diga, inclusive, que mentira boa é aquela mais convincente, mais verdadeira do que a duvidosa verdade – muitas vezes, por razões morais, preferem chamá-la de “alegoria” ou “retórica”. 
Ah, e por falar em língua, os bons escritores, verdadeiros canhões da lorota, não pagam por ela, mas por sua pena falaciosa. Isso, quando não transferem o seu talento para a vida prática, mais especificamente para alcova, sede do imaginário ultrarromântico, gastando uma torrente que, melhor aplicada, daria para forjar romances épicos, em vez de crises conjugais ou crimes passionais sob a luz do luar.
Alguém pode confessar, saramagueando o próprio, que seria muito violento viver se não existisse a mentira. Pessoas que, a Milli Vanilli, fingem tão completamente ser o que não são que acabam por perder a identidade e a confiança, tal qual aquele pastel mineiro sem recheio, cujo nome popular é “mentira”. E por falar em Minas Gerais, foi de lá que se iniciou no Brasil o Dia da Mentira, quando em 1º de abril de 1848 publicaram um periódico denominado, acredite: “A Mentira”.
Eu, por aqui, optei por não mentir em troca dessa tal desejada e imensurável liberdade. E quando falo em liberdade, me refiro à tentativa de poder ser nesse mundo, mesmo que apenas no (ray)mundo, o mais verdadeiro possível. Que possa pensar e me expressar como e quando quiser. Quedar-me, ao máximo, ao lado das pessoas das quais mais gosto e/ou amo. Vestir-me, ler, ouvir o que me interessa ou ir apenas a lugares que me fazem sentir bem. Poder viver o luxo de não ter nada e isso ser tudo que eu preciso para me sentir vivo, nem melhor nem pior do que sou. Ter a certeza de que não podem falar de mim, pois ninguém paga as minhas contas. Ora, se às vezes nem eu pago!
Tudo isso, pois entendo que minha mesmo, apenas a efêmera vida, esta que se abriga nesse corpinho meia boca de cinquentinha, minha única, verdadeira e intransferível morada, quase um trailer riponga, modelo Sgt. Pepper’s.., de pneus recauchutados, mas a quem devo respeito e alguma atenção. 
Sim, poderia até jurar, mas minha mãe também me dizia: “quem jura mente”. Então, fico por aqui, de verdade.


quinta-feira, 3 de agosto de 2017

"O que querem os pais? Presentes ou presenças", de João Soares Neto


As mães não devem se preocupar. Quando digo pais, estou incluindo pai e mãe. Embora domingo seja o Dia dos Pais, creio que não se deve  tratar os pais de forma isolada, pai de um lado e mãe do outro, como se fossem duas forças disputando a condução da família. Pai e mãe nada mais são que pessoas lutando pelo bem-estar dos filhos, frutos do amor ou de acidentes de percurso.
E, nesta época, pretensamente, correta, há um mundo de obrigações e bem pouca recompensa. A ordem natural vigente é questionar, e, com medo de causar traumas, os pais aceitam, meio sem graça, situações que, no fundo, desejariam repelir ou até impedir que acontecessem.
A vida e o tempo vão produzindo sequelas no sistema imunológico e causando doenças a todas as pessoas,  nos pais, inclusive. Eles se queixam de cansaço, dores, úlceras, stress e veem se aproximando, os problemas de diabetes e cardiopatias, para não falar de males maiores. Pais envelhecem.
O que fazer, então? Cuidar da saúde da mente e do corpo é um bom começo. Isso não passa obrigatoriamente por “check-ups” ou visita a analistas. É ato de respeito a você próprio, descobrir o que lhe gratifica, o que lhe alegra, o torna vivo e capaz de enfrentar, com bom humor e coragem, as lutas do dia a dia, mesmo aposentado.
Imagine-se doente e com problemas e, certamente, você daria quase tudo para ficar sadio e sem dificuldades. Imagine-se, então, sem problemas, com saúde e estabeleça um plano pessoal, um presente para você mesmo.
Cada pessoa sabe o que lhe interessa. Há, todavia, uma linha comum que as une. Começa pelo respeito ao seu corpo, com a adoção de exercícios diários.
Não esqueça de que os humanos, como os peixes, também podem morrer pela boca. Refaça a sua alimentação, a partir de um café da manhã saudável. Elimine o açúcar, o excesso de sal e a gordura. Corte o cigarro. Se não puder, maneire.
Veja se não está bebendo demais. O álcool depois da euforia dá a sensação de desamparo e até de depressão. Reexamine os seus relacionamentos, corte os chatos de sua vida. Não se preocupe em ser bonzinho com gente que só quer usar você. 
Leia, leia sempre, para manter a sua mente funcionando e aumentando conhecimento ou entretenimento. Estabeleça propostas realistas para a sua vida. Sonhar é bom, mas é preciso cair na real em tempos de crise institucional no país.
Procure amar o que faz ou, como já disse, mudar de vida. Talvez, ganhando menos, seja mais feliz. Descubra gente interessante para conversar e conserve os poucos amigos verdadeiros, aqueles que não lhe pedem mais que a sua companhia.
Se isto for receita de bolo, paciência. Tente outra receita, faça a sua própria, respeitando os seus interesses e os seus limites. Dê um tempo para você, goste mais de você, cuide mais de você.
Quanto aos filhos: não cobre presentes. Queira presença, mas também não a cobre. Tornar-se presente talvez seja o remédio. Cobranças e reclamações são os meios mais eficientes de não se conseguir presentes, menos ainda presenças.
 Feliz Dia dos Pais.



terça-feira, 1 de agosto de 2017

"Cadeiras na Calçada" no Museu do Ceará (5/8, às 10h)


O Clube Ponto de Leitura Itinerante (CPLI) e o Museu do Ceará (Musce/Secult) convidam para a “Leitura Discursiva – Um Conto no Passado: cadeiras na calçada”, com a participação do autor, Raymundo Netto.
Data e horário: 5 de agosto de 2017 (sábado), a partir das 10h
Local: Museu do Ceará (rua São Paulo, 51, Centro) – Praça dos Leões
Sorteio de 01 (um) kit OBRA COMPLETA (ficção) composto por:
·         Crônicas Absurdas de Segunda (2ª edição),
·         Os Acangapebas e
·    Um Conto no Passado: cadeiras na calçada (2ª edição) - último exemplar disponível (obra esgotada), oferecido pela Livraria Smile.
Sobre a obra: Um Conto no Passado: cadeiras na calçada, sua estreia na literatura, foi a obra ganhadora na categoria Romance do I Edital de Incentivo às Artes da Secult, sendo publicada de forma independente em 2005 e em 2009 (2ªedição). O personagem-narrador, Américo Lopes, mora e trabalha no centro de Fortaleza, cenário do livro – que é ilustrado por fotos de autoria de Raymundo Netto – e seu principal personagem. 
Ao conhecer Olívia, que veio do Rio de Janeiro, em temporada, apaixona-se. Entretanto, podemos dizer que a obra não se trata essencialmente de uma história de amor, mas uma história de quem ama.
Destaque para as 88 notas que seguem o fio da narrativa, apresentando ao leitor a cidade histórica e sentimental.
Outras Obras:
Ficcionais: Os Acangapebas (obra independente ganhadora do Edital de Incentivo à Literatura da SecultFOR 2007 e do Prêmio Osmundo Pontes da Academia Cearense de Letras 2011), Crônicas Absurdas de Segunda (obra independente ganhadora do Edital de Incentivo às Artes da Secult 2014 e finalista do Prêmio Jabuti 2016);
Infantojuvenis: A Bola da Vez (EDR, 2008), A Casa de Todos e de Ninguém (EDR, 2009), Os Tributos e a Cidade (EDR-Sefin, 2011) e Boto Cinza Cor de Chuva (EDR, 2014);
Ensaios: Cronologia Comentada de Juvenal Galeno (Coleção Nossa Cultura, Secult - 2010), Centro: o coração malamado (Coleção Pajeú, SecultFOR - 2014) e Nilto Maciel (perfil biográfico - Coleção Terra Bárbara, EDR - 2017), Padre Cícero: o filme (no prelo).
Outros: Bullying (coleção Enem.com Cidadania – EDR/Seduc - 2013), A Galera se Liga em Cidadania (EDR-Sefaz – 2014).

Sobre o Autor: Raymundo Netto é escritor, editor, quadrinista e produtor cultural. Autor das tiras em quadrinhos “Os FitoManos” e autor de cartilhas educativas em quadrinhos para a Prefeitura de Fortaleza, Governo do Estado do Ceará, Ministério da Saúde, Dert e entidades de direito privado. Cronista convidado do Caderno Vida & Arte do jornal O POVO desde 2007. Foi coeditor das revistas literárias CAOS Portátil e da Para Mamíferos; assessor de projetos (2008-2010) e coordenador (2010-2011) de Políticas do Livro e de Acervos da SECULT, responsável pela coordenação editorial das suas coleções, publicando em dois anos mais de 100 títulos; membro do Conselho Curador da IX Bienal Internacional do Livro do Ceará (2009); redator e elaborador do Prêmio Literário para Autor Cearense (2010); criador do prêmio Luiz Sá de Quadrinhos; um dos coordenadores e criador do projeto da I Feira do Livro do Ceará em Cabo Verde (2011). Autor de projetos sociais e editoriais, atuando, inclusive, na produção de documentários. Recebeu a Medalha Boticário Ferreira em 2012 pelos serviços realizados em prol da cultura. Foi editor adjunto das Edições Demócrito Rocha (2012-2014). Hoje, é assessor de projetos da Fundação Demócrito Rocha (FDR). Mantém, desde 2009, o blog AlmanaCULTURA.

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