sábado, 29 de setembro de 2012

Entrevista de Raymundo Netto para o sítio multicultural "Letras e Livros", de Vladimir Araújo



Clique na imagem para ampliar! (fonte: O POVO)

LetraseLivros: “Abandonai toda a esperança vós que entrais”. A frase é de Dante Alighieri e antecedia a porta do Inferno na Divina Comédia. Está na primeira página de seu livro. É algum tipo de aviso ao leitor?

Raymundo Netto: Sim. Talvez seja isso mesmo. O processo de criação e composição dos textos que ora tomam corpo de Os Acangapebas exigiu, durante tempos e relativa distância — passei anos deixando-os encostados, inúteis, sedimentando —, muito de mim. Não só no que diz respeito ao trabalho estético e de escolha da linguagem, da forma, mas da ambiência, do conteúdo e da temática, digamos, “sugerida”. Muito do que está no livro, e até do que não se lê por meio das palavras, mas que, creio, o leitor mais perspicaz poderá traduzir ou reinventar, angustia-me profundamente. Lendo-o, nos momentos finais antes de sua impressão, e após descartar alguns dos contos antes elencados, senti-me envolvido como num abraço com o meu “inferno pessoal”, que pode ser o de qualquer um. Não sei ainda como os leitores se sentirão, talvez não o percebam dessa forma, porque, afinal, somos todos muito diferentes em nossas percepções, mas perpassa, exatamente no quesito “ambiência”, um certo ar comum de desesperança, ou de ridículo, no que chamamos de humanidade. 

LetraseLivros: Você demorou quase sete anos entre Um Conto no Passado: cadeiras na calçada e o novo livro. A que se deve esse hiato? Inspiração, observação ou processo de amadurecimento como escritor?

Raymundo Netto: Durante esse “hiato”, publiquei três livros infantojuvenis pelas Edições Demócrito Rocha e um livro, Cronologia Comentada de Juvenal Galeno, que integrou a coleção de sua Obra Completa, pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (entre 2010 e 2012, coordenei e organizei, enquanto integrante da Secult, cerca de 80 títulos). Escrevo crônicas há cinco anos (desde 2007), quinzenalmente, para o caderno Vida & Arte de O POVO. Os contos que compõem Os Acangapebas foram escritos entre o início de 2006 até o momento de sua publicação em 2012. Na realidade, alguns deles já existiam em rascunho, antes mesmo de eu escrever Um Conto no Passado: cadeiras na calçada, como o conto homônimo que encerra o livro e outro que optei por retirar quando encerrei o livro. De fato, não tenho pressa nem preocupação com o “publicar”, mas com o “produzir”. A publicação, penso, é coisa muito séria, que, algumas vezes, transcende a própria vida do autor, daí, temos que burilar ao máximo, tomar o cuidado de garantir que tal texto esteja o mais próximo possível de nossa (ir)realidade, de nossa “assinatura pessoal”.  

LetraseLivros: Os Acangapebas, como você mesmo explica no livro, quer dizer “os cabeças-chata”, alcunha pela qual são conhecidos os cearenses. No entanto, em todos os contos o que se nota é uma abordagem um tanto quanto ampla e às vezes irônica dos sentimentos e psique humanas. São angústias, medos, solidão, depressão, temas que conferem às histórias um caráter universal. Por que o título então?

Raymundo Netto: Pois é. Quando comecei a escrever as histórias que pretendia enfeixar em livro, tinha a pretensão de que seus personagens pudessem ser (ou não) figuras “cearenses” (o homem das rodas de calçada, o palhaço mambembe, o bodegueiro, a doméstica, o retirante, etc.), e que fosse possível nesses textos o leitor encontrar o colorido de nossa voz e imaginário, algo meio pictórico, digamos assim. Havia acabado de lançar o Cadeiras... e estava muito acesa em mim a questão cultural, patrimonial etc. Alguns dos textos da época perduraram na seleção final, outros tantos saíram, vitimados pela proposta atual. Em alguns dos mantidos, o vocabulário mais “cearês” foi suprimido, por achar, hoje, obsoleto ao texto, justificado porque o fator linguagem cresceu na proposta de construção do projeto (enquanto) literário, embora se perceba que “ele” ainda está lá, distribuído de uma forma diferente, como pendurado nas “paredes” dos contos. O texto “Os Acangapebas”, por exemplo, entrou no livro por um “estalo” da amiga Tércia Montenegro, uma das leitoras dos originais (Pedro Salgueiro e o Nilto Maciel também o leram nesse período de pré-impressão). Ele não ia entrar. Achava o texto difícil, duro de engolir, mesmo entendendo que ele refletia a ideia original da obra, mas que sairia noutra edição. Seria estranho “Os Acangapebas” sair num livro de contos que não fosse Os Acangapebas, pensei, e exatamente por ser estranho achei ótimo. Por fim, foi recolocado.

LetraseLivros: Em uma de suas entrevistas você diz que a principal matéria-prima de seus contos vem das observações do outro, da cidade, do cotidiano. Há, no entanto, algum resquício autobiográfico em quaisquer das histórias de Os Acangapebas?

Raymundo Netto: Sempre há. Difícil não utilizarmos a nossa vivência pessoal (vivida, ouvida, sentida...), de alguma forma, naquilo que escrevemos. A nossa vida, a nossa experiência própria, assim como nosso gosto, nossa voz, acabam por conduzir o processo todo, mesmo quando a nossa “vida aparente” não esteja ali. Entretanto, me vigio para não ser muito “eu mesmo” nesses momentos, atitude diferente de quando escrevo crônicas.

LetraseLivros: Em seu conto “ Domingo” você fala de uma mulher que envenena a família após anos de uma submissão velada. Lembrei da primeira frase de Anna Karenina, do Tolstói, em que ele diz que  “Todas as famílias felizes se parecem; cada família infeliz é infeliz à sua maneira." E também do Belchior na letra de “Hora do Almoço”. Essa “melancolia familiar” é inerente ao ser humano ou um retrato da sociedade atual?

Raymundo Netto: Olha, no caso, a mulher que mata a família (essa, a minha) é a empregada lá de casa (risos). Ela existe e tudo ali é verdadeiro: o almoço de domingo na casa de meus pais. Claro, até hoje não nos envenenou, ainda, mas poderia fazê-lo facilmente, e, por isso, parei de comer a macarronada que ela faz, a “receita da vovó Zena”, tradição dos domingos de tempos.

LetraseLivros: Há pouco mais de vinte anos um autor de qualquer tipo de produção literária só dispunha de livros ou revistas para publicar seus escritos. A internet mudou radicalmente essa realidade. Hoje se escreve e se torna público o que se quer e a qualquer hora em sites, blogs e até em redes sociais. Estamos diante da “Biblioteca de Babel” preconizada por Jorge Luis Borges? Publicar demais faz bem à literatura?

Raymundo Netto: Penso que a democratização de acesso, as possibilidades de divulgação e publicação, ou mesmo a aproximação e a facilitação da troca de contatos entre autores, críticos, editores e leitores de forma geral, em qualquer ponto do país ou fora dele, proporcionadas com o surgimento da internet, das redes sociais e com o avanço tecnológico são ganhos indiscutíveis. Por outro lado, me preocupa sempre a publicação sem a autocrítica, sem critérios básicos e o mínimo de questionamento sobre a qualidade daquilo que vai empurrar no mundo. Justamente devido à facilidade e o pouco comprometimento com o que se estabelece nesses meios, a pessoa escreve e em poucos minutos “publica”. Aliás, conheço diversos escritores que se pabulam de nem ler o que escrevem ou de não se preocuparem com essas coisinhas “desimportantes”, como, por exemplo, “revisão” (risos). Assim, infelizmente, são vários. Esse fenômeno de “cibersucata literária”, uma montanha de coisas nunca de se merecer lidas e que empatam a visão de outras melhores ofuscadas nesse universo de “em formação” sem fim, acaba por banalizar o que chamamos de literatura. Afirmo sempre que há uma distância brutal em ser alfabetizado e ser escritor (de literatura).

LetraseLivros: Clarice Lispector uma vez disse o seguinte:  “Já que se há de escrever, que pelo menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas.” O que o leitor deve buscar nas entrelinhas de seus contos?

Raymundo Netto: O eco de si próprio. A sua verdade, a sua mentira, o conflito entre ambos, o seu reconhecimento ou o do outro, a sua tessitura enquanto gente, ou mesmo que não busque nada, deixando-se apenas levar e descobrir aonde as ondas ou os ventos se encontram.

LetraseLivros: Você é atualmente editor adjunto das Edições Demócrito Rocha, assina uma coluna quinzenal no jornal O Povo, mantém o blog Almanacultura. Em meio a tantas atividades, quais os seus projetos para o futuro?

Raymundo Netto: Tenho vários e em diversos segmentos diferentes de uma mesma literatura. Penso que a maior parte deles continuará apenas como projetos, a não ser que eu mude radicalmente de modus operandi, o que já venho tentando aqui e ali, sem sucesso. O meu maior projeto hoje é não prometer mais nada e dizer mais “nãos”.

LetraseLivros: Em sua maioria, Os Acangapebas é composto de textos curtos,  de, no máximo duas ou três páginas. Ainda assim, percebe-se algo de denso. Em “Saudades”, por exemplo, lê-se: “A vida na Terra parece não ter sentido sem a morte. A vida, eterno exercício de ter e perder; uma partida constante; uma dor interminável de não ter fim.”  Na sua visão, Acangapebas é um livro de fácil leitura?

Raymundo Netto: Ao contrário, acho que é difícil leitura, pelo menos para os melhores leitores (risos). Por vários aspectos: primeiro, porque não o escrevi pensando em um texto exatamente fluente, o que se percebe nos vocábulos, por vezes, elencados, pela presença de neologismos, ou mesmo de arcaísmos, pela construção frasal (frases nem sempre curtas), presença de “sintaxes arrevesadas” (como disse uma vez a amiga Inês Cardoso), muitas virgulações, enfim, não tomei nenhum cuidado nem usei das fórmulas convencionais de fazer “escorregar” na leitura. Por outro lado, apostei, sim, no que diz respeito à sonoridade (ou musicalidade), à combinação do ambiente “cênico” com as palavras (e na verdade que elas encerram), ao uso de linguagem cinematográfica e imagética, aos tipos “desenhados” e às “lacunas desejadas” do texto (espécie de “pedras no vazio” para os leitores “toparem” neles). Coisas assim...

LetraseLivros: Goethe dizia que escrever era um “ ócio muito trabalhoso”. E é com uma citação dele, “Mais Luz”, que você termina o livro. O muitas vezes árduo ato de criar ilumina mais a quem lê ou a quem escreve? 

Raymundo Netto: Não sei se ilumina. Antes, uma consequência de certa iluminância. Para nós que escrevemos é sempre um privilégio ver uma obra publicada e, principalmente, lida. Alguém discorrer sobre seu trabalho é muito prazeroso, desde que sincero. Há um escambo de elogios muito grande no meio literário (aproveitando-se da necessidade de um inútil reconhecimento intelectual por parte dos mais abastados), além de uma cegueira para aquilo que não é cânone nem estabelecido. Por isso, decidi não colocar orelha nem prefácio em Os Acangapebas. Queria que as “críticas” viessem espontaneamente, sem muletas, sem bússolas. Como disse, tudo para mim no que se refere a este livro, foi-me e é muito difícil. O que é bom.
Quanto a Goethe, ele é autor do romance Os Sofrimentos do Jovem Werther, marco do romantismo alemão, onde o protagonista, louco de uma paixão impossível por Charlotte — talvez nem tanto — se questiona: “Por que é que aquilo que faz a felicidade do homem acaba sendo também a fonte de suas desgraças?” É uma história forte e pessimista, e que, na época, fez muito sucesso. Contam que a sua leitura, naqueles tempos, foi responsável pelo suicídio de diversos jovens na Europa. “Mais Luz” seriam as derradeiras palavras do autor em seu leito de morte. Para Os Acangapebas, a saída da escuridão de meu inferno. Há luz, sim, em algum lugar.

LetraseLivros: Onde o leitor poderá encontrar Os Acangapebas? Em que pontos comerciais da cidade?

Raymundo Netto: Farei um segundo lançamento do livro no projeto “Bazar das Letras do SESC”, no Teatro Emiliano de Queiroz, dia 28 de agosto, às 19horas, num bate-papo com o contista Carlos Vazconcelos. Especialmente, neste dia, o livro será vendido mais barato, a R$ 15,00 (quinze reais), compromisso que firmamos com o Projeto. Depois, poderá ser encontrado nas livrarias: Smile, Lua Nova, Arte e Ciência e Museu do Ceará. Também pode ser adquirido pela internet, pelo loja virtual da Editora PREMIUS. Costumo enviar pelos correios, após depósito bancário, caso as pessoas queiram adquirir e não o consigam pelos meios comuns.

Raymundo Netto é escritor e editor. Autor de Um Conto no Passado: cadeiras na calçada (romance, 2005), Os Acangapebas (contos, 2012), Cronologia Comentada de Juvenal Galeno (ensaio, 2010), e dos infantojuvenis A Bola da Vez (2007), A Casa de Todos e de Ninguém (2009) e Os Tributos e a Cidade (2010). É cronista do Caderno Vida & Arte do jornal O POVO desde 2007 e mantém o blogue AlmanaCULTURA (http://raymundo-netto.blogspot.com.br)

"Vargas Llosa: um Prêmio Nobel em Canudos: ensaios de literatura brasileira e hispano-americana", PROMOÇÃO ESPECIAL de Rinaldo de Fernandes


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Acaba de sair, pela Garamond/RJ, o livro de ensaios Vargas Llosa: um Prêmio Nobel em Canudos: ensaios de literatura brasileira e hispano-americana, do premiado escritor Rinaldo de Fernandes.

Caso tenha interesse em receber em seu endereço um ou mais exemplares do livro, a PREÇO SUPER PROMOCIONAL de apenas R$ 20,00 reais (nas livrarias deverá custar cerca de R$ 40,00), é só depositar o valor de R$ 20,00 na conta do autor, 79.029-X, agência 1619-5, do Banco do Brasil, e, em seguida, comunicar seu depósito (com a respectiva data), seu nome e endereço com CEP pelo e-mail: blogdabeleza@bol.com.br. O ENVIO SERÁ GRATUITO.

Aproveite! Garanta logo seu(s) exemplar(es)!

Sobre a Obra: No começo dos anos 1980, o peruano Mário Vargas Llosa – vencedor do Nobel de literatura em 2010 – lançava "Guerra do Fim do Mundo", um romance que mesclava ficção e a realidade de Canudos, com base na prosa 'euclidiana' de "Os Sertões".
A obra serviu como base do doutorado defendido, há 10 anos, pelo escritor paraibano Rinaldo de Fernandes, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Textos de sua tese também estão presentes no seu livro, "Vargas Llosa: Um Prêmio Nobel em Canudos - Ensaios de Literatura Brasileira e Hispano-Americana" (Garamond, 300 páginas).
“É um livro eclético que faz abordagens de vários gêneros da literatura, sempre com autores contemporâneos, com exceção de Euclides da Cunha e Machado de Assis”, resume o autor, que reúne ensaios, críticas e textos sobre literatura, contos e poesia publicados em jornais como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e o Jornal do Brasil, entre 2000 e 2010.
De acordo com o escritor, são analisados 30 contistas brasileiros contemporâneos no longo ensaio 'O conto brasileiro do Século 21', que abre o livro. Também são dissecados nomes nacionais e da literatura hispano-americana como Gabriel García Márquez, Julio Cortázar, Ferreira Gullar, Miguel Sanches Neto, Aleilton Fonseca, Carlos Ribeiro, Renato Tardivo, entre outros.
No âmbito musical, o autor revisita o trabalho de Chico Buarque, comparando com a poesia do maestro Tom Jobim (1927-1994), além de uma cronologia da vida e obra ausente no livro "Chico Buarque do Brasil" (Garamond), lançado por Fernandes em 2004.
Entre os autores paraibanos na coletânea, um exame da recepção crítica de clássicos de José Lins do Rêgo, como “Menino de Engenho” e “Fogo Morto”.
Nas páginas de "Vargas Llosa: Um Prêmio Nobel em Canudos" haverá também um extenso ensaio sobre obras de autores paraibanos (ou radicados no Estado) contemporâneos, como Sérgio de Castro Pinto, Mercedes 'Pepita' Cavalcanti, Antônio Mariano, André Aguiar, W. J. Solha, entre outros. “É uma nova perspectiva para quem não conhece os autores que moram ou nasceram aqui”, aponta Rinaldo sublinhando a importância de ser lançado pela editora carioca Garamond.

domingo, 23 de setembro de 2012

"Biografia breve para lançamento de "Sobral do Meu Tempo", especial de 30 anos, do jornalista Lustosa da Costa (27.9)


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“Se não pudesse escrever no jornal, ia escrever numa parede,
numa rádio, pela necessidade que tenho de expressar o que sinto.
Essa é uma tentativa, talvez vã, de achar
que o jornalista muda um pouco — ou melhora — o mundo.”
L. C.

Lustosa da Costa nasceu em 10 de setembro de 1938, em Cajazeiras, Paraíba, filho de Francisco Ferreira Costa e de Maria Dolores Lustosa da Costa. Criou-se, entretanto, desde 1942, em Sobral, Ceará. Em 1947, com apenas 9 anos, o pequeno e tímido Lustosa, estudante do Educandário São José,  já assinava o seu pequeno “Diário de repórter político”.
Mais tarde, ainda em Sobral, viciado em leituras de livros e jornais, ao lado de Aldo Melo, lançou o jornal O Idealista, de único número. No IAPC, órgão em que seu pai trabalhava, sobre uma Remington, escrevia cartas ao Presidente da República, à revista Era Uma Vez (de Belo Horizonte), fazia pedido à editora Melhoramentos, redigia manifestos políticos e mantinha seu Diário, escrevendo sobre os padres, igrejas, missas, campanhas eleitorais e outros.
Era certo: seria repórter político!
Assim, em 1954, publica seu primeiro artigo, assinando “L.C.”, no Correio da Semana, de Sobral, logo após a morte de Getúlio Vargas. Em 1956, com a família, voltou a Fortaleza e, em 1962, formou-se em Direito e exerceu magistério universitário.
Em 1966, candidato a deputado federal pelo MDB, sendo o mais votado em Fortaleza.
Trabalhou em vários órgãos de imprensa da cidade, rádio, jornal e televisão, tendo sido editor-chefe do Unitário, convidado por Eduardo Campos, e Correio do Ceará, jornais extintos da cadeia “associada”.
Com Dorian Sampaio publicou o Anuário do Ceará (1971 até 1974) e, em 1982, publicou, pela coleção Lima Barreto do Senado Federal, Sobral do meu tempo, crônicas e artigos, sendo aplaudido pela crítica, inclusive, de Jorge Amado que, num jantar, revelou ter lido a obra, enviada a ele pela Universidade Federal do Ceará, quando Paulo Elpídio Neto era reitor, e que, ali, “continha material para quatro ou cinco romances”. Da mesma forma, Aurélio Buarque de Holanda, em seu famoso dicionário, publicou seis verbetes extraídos, com menção, de Sobral do meu tempo.
Residindo em Brasília, desde 1974, foi eleito, em 2000, para a Academia Brasiliense de Letras, na vaga de Bernardo Ellis, ano em que ganhou o Prêmio Ideal Clube de Literatura com Rache o Procópio, livro de crônicas.
Em 2002, apresentou, em Lisboa, a edição portuguesa de Vida, paixão e morte de Etelvino Soares, merecendo elogios de Alice Raillard, dentre outros.
Em 2006, lançou, na residência de Paes de Andrade, embaixador do Brasil em Lisboa, a edição portuguesa de Clero, nobreza e povo de Sobral, com a presença do ex-presidente da República, Mário Soares, e de outras autoridades.
Em 2009, a edição portuguesa de Amor em tempo de seca, de contos, foi lançada na chancelaria brasileira, em Lisboa, quando foi saudada pelo escritor Antônio de Almeida Santos, prefaciador da obra, e na embaixada do Brasil em Cabo Verde, sob o comando da embaixadora Maria Dulce Silva Barros.
É, atualmente, autor de quase 30 títulos, colunista político do Diário do Nordeste, em Brasília, onde foi repórter de O Estado de S. Paulo e do Jornal da Tarde e cronista do Correio Braziliense.

sábado, 22 de setembro de 2012

Lancamento imperdível: "Sobral do meu Tempo: especial de 30 anos", de Lustosa da Costa (27.09)


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Lançamento Sobral do Meu Tempo: 30 anos, de Lustosa da Costa
Data: 27 de setembro (quinta-feira), às 19h
Local: Ideal Clube
Apresentação da obra: Juarez Leitão
e a presença de Isabel Lustosa

IMPORTANTE
Toda a renda adquirida com a venda da obra será destinada
a duas entidades filantrópicas de Sobral.


Sobre a Obra: Sobral do Meu Tempo é o livro de estreia do jornalista Lustosa da Costa.
Sua primeira edição foi publicada em 1982, há 30 anos, portanto, na coleção Lima Barreto do Senado Federal, sendo aplaudido pela crítica, inclusive por Jorge Amado que, num jantar, revelou ter lido a obra, enviada a ele pela Universidade Federal do Ceará, quando Paulo Elpídio Neto era reitor, e que, ali, “continha material para quatro ou cinco romances”. Da mesma forma, Aurélio Buarque de Holanda, em seu famoso dicionário, publicou seis verbetes extraídos, com menção, de Sobral do Meu Tempo.
Esta edição é comemorativa de aniversário do livro e do trabalho do autor, o jornalista e cronista Lustosa da Costa, certamente, um dos mais festejados em nossa terra.
Lustosa coligiu, à época, uma série de crônicas e artigos escritos no período de 1968 a 1982, publicados em diversos veículos onde colaborou, como o Unitário, a Gazeta de Notícias, o Correio do Ceará, a Tribuna do Ceará e o Anuário do Ceará.
Também, em Sobral do Meu Tempo, Lustosa apresenta o seu “Diário de um Repórter Político”, manuscritos de um menino observador a já descobrir em plena garotice: — Seria repórter!
Além de contar sobre os seus primeiros amores, as primeiras leituras e a sua visão de mundo em Sobral do Meu Tempo, aos poucos, alguns personagens célebres ganham peso em sua narrativa, como D. José Tupinambá, Chico Monte, José Saboia, padre Palhano, mons. Olavo Passos, Parsifal Barroso, Paulo Sanford, Menezes Pimentel, Plínio Pompeu, dentre tantos outros que povoaram um dia os seus mesmos trilhos.
Em todos os escritos, revela o autor a sua obsessão pelo tema: Sobral.
Indispensável obra que traz em suas páginas outros registros de importância historiográfica de Sobral e de sua elite, escorada na riqueza do comércio e da pecuária e na cultura do clero: periódicos, recortes, panfletos, fotos, depoimentos de familiares, enfim, uma galeria preciosa colecionada pela face de pesquisador e escritor de Lustosa da Costa.
30 anos depois, a obra ganha uma segunda edição, mantidos os textos originais e seus anexos, entretanto, acrescentando fotos do casario antigo de Sobral e uma discreta homenagem ao autor que já, naqueles tempos, suspirava à sua “cidade-saudade”: “Ah, Sobral, quanto nos tem a contar!”

Raymundo Netto

APDMCE completa 25 anos de trabalho ao lado dos municípios



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No dia 22 de setembro de 1987, o Ceará ganhava uma instituição que almejava contribuir com o desenvolvimento dos municípios, com a melhoria da vida das pessoas que moram neles, e com o fortalecimento do sistema de garantia de direitos.
A APDMCE, fundada por um grupo de 17 primeiras-damas, durante muitos anos, foi conhecida como Associação das Primeiras-Damas dos Municípios do Estado do Ceará. Tinha uma atuação voltada para a esfera social, e via no apoio das primeiras-damas a chave para alcançar os municípios e entender suas realidades, expectativas e desafios.
Com o passar do tempo, o perfil da instituição foi mudando. A primeira-dama continua exercendo sua função mediadora e representativa da APDMCE, no entanto o trabalho da instituição extrapolou o limite do social e, hoje, segue uma linha estratégica que atua nos níveis político e administrativo.
Desde então, a sigla APDMCE, passou a ser reconhecida como Associação para o Desenvolvimento dos Municípios do Estado do Ceará. Um nome que esclarece exatamente a que a instituição se propõe. Através de princípios como a transparência, a qualidade, a parceria e a interdependência, a APDMCE construiu sua história como instituição reconhecida pela efetiva participação no desenvolvimento social dos municípios.
A atuação da Associação se dá por meio de duas vertentes, uma delas é a representação dos municípios cearenses em instâncias estaduais, como o Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil (FEETI), o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC) e o Conselho Estadual dos Direitos do Idoso (CEDI).
A outra vertente é o desenvolvimento de projetos que contribuem diretamente com a qualidade de vida dos cearenses, como o Projeto Eu Sou Cidadão, o maior projeto de incentivo à leitura e formação cidadã do Norte/Nordeste; o Programa O Ceará Cresce Brincando, que promove a valorização da cultura e do direito do brincar; o Projeto O Idoso e a Construção do Envelhecimento Saudável, que defende a ideia de que o envelhecimento é algo construído ao longo dos anos e deve ser feito de forma saudável; e o Programa Ceará Cidadão, que tem como objetivo capacitar o corpo técnico dos municípios.
A APDMCE é uma instituição que trabalha pelos municípios e pelo povo que neles moram. Gente de coragem, trabalhadora, que acredita e não desanima nunca. É por essa gente que há 25 anos a instituição desenvolve seus projetos, e tem orgulho de ser como ela, cearense, de garra e de muita fibra. 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

"Coisas Engraçadas de Não se Rir XXIV: Feticharia", crônica de Raymundo Netto para O POVO (19.09)



Era noite. Precisava de uma venda para olhos. Coisa simples, solicitação de participação em uma inocente dinâmica de grupo na manhã seguinte. Passei, por acaso, em frente a um sex-shop. Veio-me à cabeça, talvez, ali, encontrá-la. Entrei.
O proprietário da loja me atendeu com aparente cordialidade e discrição — nesse ramo, é muito —, não deixando de transparecer, entretanto, certo olhar estranhamente pervertido: “Uma venda, hein? Hummm... de couro ou de pelúcia?” “Só tem essas, é? De pelúcia, rola não, chapa...” Nisso, um rapaz franzino se chegou. Encostou-se ao balcão, quase a sussurrar, apontando: “Quanto custa ‘aquilo’?”. “Aquilo o quê?”, fingiu estranhamento o dono da loja. “Aquele ali!” “Ah, a bombinha peniana manual?”, exclamou desavergonhadamente enquanto o rapaz me parecia cada vez menor e mais precisado de tal “bombinha”. Depois, entrou um casal. A moça sorria aberta de felicidades por ela e pelo namorado, que o preferia fazer apenas por dentro: “Moço, e esse par de algemas?” “Essa de oncinha?” Logo, entraram mais umas quatro estudantes. Enquanto esperava para pagar a tal venda, pus a explorar aquele templo de fetiches, numa espécie de “turismo sexual”. “Tinha-se de um tudo”, orgulhava-se o gerente: pênis artificiais de todos os tamanhos, formatos, cores e texturas, até fosforescentes — provavelmente para não se correr o risco de perdê-lo de vista —, com display de contagem de perda calórica — para quem pratica o sexo como método de emagrecimento —, e incluindo os formatos especiais “Sheik” (pensei ser “SHREK”), “Czar” e “King”, além da exclusiva super-mega-plus prótese maciça “créu”, na cor preta, em PVC atóxico e cinta regulável; dedais e linguais vibratórios, cintas-liga, espartilhos, tapa-seios adesivos, tangas e calcinhas, com especialidade as comestíveis — sabor chocolate e morango — a advertir na embalagem: “Nela, não há nutrientes. Favor não degustar em cinemas. Ao utilizá-la, não esquecer sobressalente.”; baralhos eróticos, dados para strip tease, vibradores wireless, bolinhas para pompoar (conhecido “colar tailandês”), lubrificantes e preservativos em diversos sabores, dentre eles a novidade “melancia”. Os PETs, ou porta bullets — animaizinhos (bois, macacos, coelhos) com enormes falos que dormem, ou melhor, nunca dormem, ao lado de suas donas. Na seção “casal perfeito: tu gosta (sic) de apanhar e eu de bater”, via-se calcinhas com argolas e correntes, máscaras, vendas, coleiras, saqueiras, chibatas, algemas — famosos kits de tortura erótica. Fantasias de policial, bombeiro, marinheiro, salva-vidas, enfermeira, colegial, garçom, criada e do super-herói “Trepoman” — dispensando a braguilha. Seção de produtos para banho, óleos de massagem e perfumes, com a promoção, “pour homme”, da fragrância “Cafajeste”, de grande aceitação. Na mesma linha, encontrei o “X-Man”, gel prolongador de ereção. Para as moças mais curiosas, produto de lançamento: o “pintômetro”! Claro, havia uma seção especial para voyeurs com DVDs pornográficos de todas as categorias. Logo à frente um título curioso: “Atolando o Pé na Jaca 5: três negrões para cada gostosa”. Havia bonecas infláveis, coisa antiga: “Britney”, “Nancy”,  “Jéssica”... Surpreendeu-me, porém, o aparecimento do boneco “Butch”, espécie de “Ken” da modernidade, um pouco maior e mais devasso. E, pasmem, uma “Cabra”, “perfeita para sua despedida de solteiro”, e um burrinho inflável sonoro, “experiência sexual excitante e diferente”. Para casais apaixonados, a sugestão dos estojos: “caixinha safada” e “coração efervescente”. De novidade: aparelhos que sincronizam música com vibração (com uma estação para iPod) ou que emitem impulsos elétricos capazes de gerar orgasmos como fossem pensamentos. Prático demais para quem não pode perder tempo com coisas como: “Como foi seu dia hoje?” ou coisa parecida... Tardava, acusei pressa, o gerente largou as clientes e ainda arriscou: “Vai mesmo só levar a venda? Tem certeza que não gostaria de levar o chicotinho? Combina demaaaais com você...” Então. Pois que o sexo também é cultura, como diria agora a Marta, não é?

terça-feira, 18 de setembro de 2012

"Viúvas Biblioclastas", saborosa crônica de Marcelo Gurgel



A sabedoria popular dá conta de que as traças e os cupins são os grandes inimigos dos livros; o fogo e a umidade o são para as bibliotecas. A diferença entre eles é que os primeiros agem no plano micro e os últimos, no âmbito macro. No meio cultural, pasmem, costuma se acrescentar as viúvas, entre os biblioclastas, já que, maldosamente, são acusadas de causarem efeitos deletérios em ambos cenários.
Existem em Fortaleza, como também em outras capitais brasileiras, inúmeras lojas de “sebo”, que oferecem livros usados, normalmente advindos do esfacelamento póstumo das bibliotecas particulares, por intervenção intempestiva de certas companheiras de tálamo dos falecidos, as quais, muitas vezes, sequer esperam a Missa da Ressurreição do pranteado esposo, para se desfazerem das obras amealhadas pelo extinto, ao cabo de sua longa jornada terrena.
Para elas, pouco importa o valor estimativo dos livros ou se a coleção contém obras raras, de inegável valor histórico ou cultural, ou mesmo se foram autografadas pelos autores, ainda que seja ou tenha sido um renomado escritor. Nesses episódios, o estado de conservação dos livros não é levado em conta. Para simplificar, tais honoráveis senhoras não os vendem no peso ou na quantidade, devidamente mensurada, mas pelo metro linear, grosseiramente aferido nas estantes.
Os livreiros, que farejam essas oportunidades comerciais, não podem, todavia, ser considerados oportunistas, ao adquirem o produto por preços aviltantes, porquanto se trata de um bom negócio, vantajoso para ambas as partes: livram, no atacado, essas donas da herança, de um pseudo “entulho”, só entendido assim por quem tem obnubilação, e vendem, no varejo, ao sequioso segmento de bibliófilos e outros interessados em participar do botim, transferindo os seus cobres aos intermediários da transação, mal sabendo esses que podem ser alvo da mesma rapinagem, alguns anos à frente, quando ganharem um paletó de madeira e suas diletas companheiras, de agora, replicarem a mesma prática do delivramento literário doméstico.
Não é, pois, prudente, criticar a atuação dos livreiros, nesse mercado editorial paralelo, uma vez que eles estão auferindo legitimamente o seu ganha-pão, além do que cumprem um importante papel na cadeia comercial do livro; nesse caso específico, possibilitam até que obras raras, que poderiam ter um destino final inglório, como a incineração, o aterramento, e/ou ainda o reaproveitamento como papel de embrulho, e, por sua iniciativa, acabam por cair em boas mãos, sendo incorporadas a outras bibliotecas pessoais, até que a indesejada das gentes venha com uma nova ameaça de desova, literalmente, separando o que se juntara por afinidade: bibliófilos e livros.
De certo modo, não se pode condenar, de todo, a biblioclastia conjugal feminina, fruto notadamente de uma educação literária capenga das tais matronas, concedendo-se atenuantes a essas “bibliocidas”, porquanto, afinal de contas, tanto a constituição como a manutenção de uma biblioteca consomem vastos recursos monetários que deixam de ser aplicados em outras necessidades do provimento do lar. Ademais, persiste aquele espírito de vingança: a leitura dos livros ocupava precioso tempo dos seus maridos, subtraindo momentos da convivência familiar e do cuidar da prole, e, quiçá, exercendo uma atroz concorrência na atenção de seus parceiros. Parece a velha história de ser a biblioteca a “outra’, como se fosse uma amante “teúda e manteúda”, interferindo na relação conjugal.
Por vezes, o despojamento dos livros pode ser decorrente do imperativo da mudança de domicílio; nesses casos, a perda do esposo traz a sensação de que a casa tornou-se muito grande, fato que se alia à pressão imobiliária, ávida pelo terreno do imóvel para edificação multifamiliar, fazendo com que a viúva decida mudar-se para um apartamento, cujos cômodos não conseguem acomodar o acervo literário legado pelo provedor desaparecido. Uma saída honrosa ou desculpa esfarrapada para justificar a perda do lugar que os livros ocupavam nas estantes da casa e no coração do falecido.
Há também um aspecto subjetivo nessa questão, de vez que, para algumas sobreviventes da dissolução conjugal, a simples vista das estantes reaviva as lembranças do finado, que nem sempre foi um marido exemplar, sendo vital, para a ruptura do luto da viuvez, que ditas obras, encaradas como velharias, sejam erradicadas do seu campo visual, o mais rápido possível. É aí que se aplica o provérbio, em inglês: out of sight, out of mind, ou, na versão portuguesa, “longe da vista, longe do coração”.
Para os bibliófilos, que tanto amam seus livros e temem um destino cruel reservado a esses tão caros amigos, há duas possibilidades, ambas de caráter precaucional: a primeira, é ser egoísta, anunciando e ameaçando a esposa de que voltará, nas madrugadas, para puxar-lhe o hálux, caso ela dê fim ao seu patrimônio livresco; a segunda, é ser altruísta, agindo com nobreza, deixando exarado, em testamento, que após o seu desenlace final, evidentemente, a sua biblioteca pessoal seja doada e incorporada a uma biblioteca mantida pelo poder público ou até outra, de livre acesso ao público, como as pertencentes a entes associativos profissionais ou culturais.
Só assim ficaria garantida a perpetuação do livro, tão mais duradouro do que a própria existência humana.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Da Academia Cearense de Medicina

sábado, 15 de setembro de 2012

Lançamento "Carta da Vovó e do Vovô", de Ana Miranda, na Cultura (22.9)


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Lançamento Carta da Vovó e do Vovô
Data:        22 de setembro (sábado), às 18 horas.
Local: Livraria Cultura (Av. Dom Luis, 1010 – com Virgílio Távora, Shopping Varanda Mall)
Fone:        (85) 4008.0800
Editora: Armazém da Cultura
Preço de capa: R$ 35,00
Fone: (85) 3224.9780

Sobre a obra: Questões ligadas ao universo diverso das avós e avôs são abordadas pela escritora Ana Miranda, no livro Carta da vovó e do vovô, ilustrado pela própria autora. De forma lúdica, o livro contribui para vencer estereótipos e preconceitos contra pessoas de idade, ao tratá-los, com suas diferentes profissões, hábitos, saberes, religiões, hobbies, etc. A autora destaca o quão enriquecedora é a convivência com os mais experientes e o quanto eles têm a compartilhar com crianças e adolescentes. Um documento ilustrado sobre a importância e os direitos do idoso, referenda  a publicação, estimulando o respeito dos mais jovens para com os seus avós, sejam jovens ou não tão jovens, e a sua importância na estrutura social e familiar.

Sobre a autora: Voltada para a linguagem, dotada de um brasilianismo intenso, Ana Miranda realiza um trabalho de redescoberta e valorização do nosso tesouro literário, que a leva a dialogar com obras e autores de nossa literatura, numa época em que as culturas delicadas são ameaçadas pela força de uma cultura universal. Fundada em séria e vasta pesquisa, recria épocas e situações que se referem à história literária brasileira, mas, primordialmente, dá vida a linguagens perdidas no tempo. Sua obra tem sido matéria de estudos na área acadêmica, recebendo teses e monografias, geralmente ligadas a questões de literatura & história, barroco brasileiro, romantismo, ou pós-modernidade. Recebeu alguns prêmios, como Jabutis e da Academia Brasileira de Letras; teve sua obra traduzida em cerca de vinte países, e conquistou expressivo número de leitores, no Brasil. Ana Miranda consagrou-se igualmente pela inclusão de seu Boca do Inferno no cânon dos cem maiores romances em língua portuguesa do século 20, elaborado por estudiosos da literatura, brasileiros e portugueses (O Globo, 5/set/98). Seus principais romances são: Boca do Inferno, 1989; A última quimera, 1995; Desmundo, 1996; Amrik, 1998; Dias & Dias, 2002; Yuxin, 2009. Todos editados pela Companhia das Letras. Nasceu no Ceará, em 1951, onde vive atualmente, após cinquenta anos entre Rio, Brasília e São Paulo.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

"Bulcãozim", crônica de Pedro Salgueiro para O POVO (12.9)




Não lembro bem onde conheci o escritor Manuel Soares Bulcão Neto (e se não me engano esta é a primeira vez que pronuncio seu nome assim, completo, e também que o adjetivo de escritor), se na casa da amiga Ana Miranda, se no nosso covil barulhento do Assis da Gentilândia. Lembro, sim, que com meia hora de conversa já parecíamos amigos de infância, tamanha era a capacidade do nosso novo amigo de nos deixar completamente à vontade.
Foi, sem dúvida, a pessoa mais sem “frescuras” que conheci, mais sem “burrocracias” para os nefandos protocolos da vida. De início descobrimos um traço em comum: ambos “perdiam o amigo, mas não perdiam a piada”. Éramos muito parecidos em nossas “pequenas e inofensivas crueldades”, ele gostava de ressaltar. Uma vez me disse: “Mas você é mais cruel do que eu”, no que eu retruquei: “Apenas sou mais grosseiro, rude. Você teve uma educação mais refinada... É um filósofo!” Ele já ria, descobrindo em minhas palavras apenas uma gozação à sua condição de filósofo autodidata.
Era bastante gago e fazia dessa gagueira piadas, não nos dando, com isso, oportunidade para que o “zoássemos” com brincadeiras. Mangava de si antes de nós. Aliás, fazia piadas com tudo, principalmente consigo mesmo. Mas geralmente se dava mal quando partia para as brincadeiras pela internet, infelizmente as palavras frias e sem gestos que saiam do computador não tinham a simpatia que os seus chistes inteligentes e bem humorados necessitavam. Mais de uma vez criou pequenas (mas inofensivas confusões) com amigos, que logo eram resolvidas com seu pedido de desculpas e a promessa de que nunca mais iria brincar com os outros. Promessa que (sabíamos) não seria cumprida.
Tinha uma doença rara (e grave), que ele parecia também não levar muito a sério. Falava abertamente e até sentíamos certo “prazer” em discorrer sobre ela. Dava detalhes, mostravas feridas nas pernas, zombava também dela, ante a nossa incredulidade, o nosso espanto, o nosso medo. Fechava conversa dizendo que já estava no lucro, pois os médicos lhe deram três anos de vida e ele já estava com sete. Então comemorava (para alguns, mais pessimistas, suicidava-se) com muito álcool, pó e fumaça...
Era membro efetivo (mas principalmente afetivo) da corriola de amigos batizada pelo Poeta de Meia-Tigela de “Poetas de Quinta”: vez por outra aparecia nas barulhentas noitadas do Assis e ria muito quando eu afirmava, ante o protesto quase unânime da turma sobre a zoada quase insuportável, ser ali o melhor local para se discutir a literatura cearense. “Já que ninguém vai se entender mesmo” ria ele, gordinho, míope, gago e feliz.
Prezado Bulcãozim, eu queria apenas (com estas improvisadas linhas tortas) te dizer em nome da cambada toda que você faz uma falta danada. Que com sua partida o nosso mundo fica bem mais pobre, mais burro e principalmente mais chato. E para não dar vazão a esse choro (que há semanas teima em querer sair dos meus, dos nossos olhos) queria te confessar que não fui ao teu velório, nem ao teu enterro, e ainda usei a tua missa de sétimo dia como desculpa para não ir a um lançamento de livro: minha última “sacanagem” contigo, amigão!

"Um Monte de Barata", crônica de Raymundo Netto para O POVO


Airton Monte (foto: Raymundo Netto)


Ao lado da minha cama, acostumei a guardar alguns livros, pois eu não consigo dormir sem ler pelo menos a um parágrafo de qualquer coisa. Mas não me detenho apenas num único livro, não; sou indisciplinado, leio o que primeiro vier. Entretanto, meus sonolentos ledores, aconselho, não leiam antes de dormir, coisas estranhas acontecem! E mais: não misturem livros, autores ou gêneros diferentes, pode ser “indigesto”. Eu, devido o mau hábito, passei por uma... Durante tal leitura, noite alta, senti a vista me faltar lentamente. Com pouco, comecei a ouvir uma voz arranhada, a gritar por mim, num canto perto da cômoda. Era uma barata. Uma barata falante, ou gritante. Dirigi-me a ela, com estranha intimidade:
— Gregor Samsa *?
— Que Gregor porrrrcaria nenhuma!, respondeu. — Está me estranhando, bicho? Sou eu, o Airton Monte!
E não é que era mesmo o Airton, gente! Olhando mais próximo, e com natural receio, reconheci, entre as seis patinhas trêmulas enleadas por fitinhas coloridas, uma cabeçorra encimada por um bonezinho donde saíam antenas. No rosto, os grandes óculos, a ausência de lábios e um escapulário de São Francisco no... pescoço!? Perguntei:
— Mas como isso foi acontecer com você, Airton?
— Eu sei lá, cara! A viagem é sua e você quer que eu lhe desenhe um mapa? — disse-me, soprando anéis de fumaça de um lasca-peito qualquer. — Logo eu, que elevei a crônica cearense ao patamar da literatura, estou aqui me sentindo como um inseto! Ah, o que o tesão da minha infância diria se me visse assim?
— Caramba, deve ser um tanto solitária a vida de barata, não?
— Solidão, para mim, nunca foi um grande problema. Antes uma unção, uma benção, uma maneira especial de estar no mundo sozinho com meus fantasmas prediletos, tirando férias do resto da humanidade...
— Que é isso, Airton, esse papo está ficando cascudo... — já estava me perguntando o porquê de, com tanta barata legal no mundo, foi-me aparecer por ali logo o Airton Monte. Ele continuou:
— Há dias assim, tão terrivelmente medíocres, que nem sequer inspiram a mais reles croniqueta! Que saudades de minhas voltinhas na Gentilândia, Benfica e no Jardim América...
— Mas você está se sentindo bem?
— Claro! Depois de 25 anos de tira-gosto de botequim, a gente fica imunizado contra qualquer vírus. Isso, sem deixar faltar, aos domingos, a macarronadinha com uma galinha à cabidela e um joguinho de futebol... — pôs-se, então, a rastejar-se nas paredes. Estava achando um barato esse negócio de ver o mundo de cabeça para baixo, suspenso no teto e coisa e tal:
— Raymundo, sabia que as baratas passam 75 % do dia dormindo, e que elas têm uma atração por bebida alcoólica, principalmente por cerveja? Sabia não... Boa esta vida de barata, meu irmão! He, he, he... Agora, veja só: eu, um cronista suburbano com ares de anarquista e com esse meu corpinho de bailarino espanhol, condenado a protagonizar o desvario de um cronista de segunda! — retraindo o abdome magro, encolheu as asas, tirou do dorso a caneta e um bloquinho de notas, cruzou as patinhas a pendular uma botinha preta e pôs-se a rabiscar:
— Para não perder meu tempo: como foi que tudo começou, Raymundo?
— Começou o quê?
— Essa sua vida besta... Fala sério, meu amigo, sua rotina é escatológica... Nem sei como você se aguenta! Além de, me perdoe, ser feio pacas! Você tem uma feiúra enciclopédica...
— Hã? — (à parte) — Meus amigos, só mesmo tendo sangue de barata!
— Liga, não! A vida acaba com qualquer um, bicho. Afinal, ao nascermos não assinamos contrato obrigatório com a felicidade... Não é só você, não. Essa coisa de ser camelô de si mesmo também me irrita. ‘Cê não sabe fazer outra coisa não, Raymundo. Pô, você é brabo, hein?
— Meu Deus, quanta filosofia barata, Airton!
— Engraçado, né? Por aqui, temos escritores que falam como se estivessem num palanque do Olimpo... Besteira! Escrever é apenas um ato consumado: ou se escreve bem ou ruim. Escrever é como desenhar, é só correr o risco e o bem-vindo alívio do ponto final.
Estava eu ali, entregue à barata, quando, súbito, a empregada, estranhando a conversaria noturna, entra no quarto. Horrorizada com aquela visão fabulosa e botafóguica, pôs-se a gritar atrás do pobre invertebrado sapecando-lhe uma vassoura. Tentei adverti-la que o deixasse em paz, que era um amigo, mas ela estava louca, completamente perturbada. O pobre do Airton, trêmulo e com uma fácies anêmicas laskeime, eriçou uns pêlinhos às costas e passou a gritar por sua amada guardiã:
— Sônia! Sônia! SÔNIA! SONHAAAAAAAAAAAA!
Sônia, sonha, sonhar... Acordei! Não, por favor, não leiam antes de dormir... nunca mais!

(*) Gregor Samsa é personagem de Metamorfose de Franz Kafka.
Airton Monte nasceu em Fortaleza, Ceará. Psiquiatra, poeta, contista, cronista do Jornal O POVO —  e marido da d. Sônia —,  iniciou-se na revista O Saco e foi um dos fundadores do grupo Siriará de Literatura. Lançou Moça com Flor na Boca (crônicas). Alguns dos textos da fala do Airton são adaptações de suas crônicas e entrevistas.