domingo, 29 de julho de 2012

"Quantas de Nós", no Bazar das Letras do SESC, na terça (31.7)


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Cleudene Aragão, Inês Cardoso, Maria Thereza Leite, Ruth de Paula, 
Vânia Vasconcelos e Carmélia Aragão
são as autoras do livro ganhador do 
Prêmio Moreira Campos da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará.


Entrevista de Floriano Martins com Sânzio de Azevedo



Compreende Jorge Rodríguez Padrón que o poeta deve servir ao crítico como seu guia único. Refere-se ao poeta como um todo, portanto, ao ditado de sua escritura. E completa: “porém para nos perdermos nele”. O texto como lugar de encontro, lugar de uma identificação e não de uma determinação; reflexão e não a soberba da explicação – eis o que defende o mencionado crítico espanhol. A entrevista que temos a seguir, com o crítico e historiador Sânzio de Azevedo (1938), revela a acuidade reflexiva de um importante personagem da literatura brasileira. A extensa obra de Azevedo apresenta dois títulos interligados: Dez ensaios de literatura cearense (1985) e Novos ensaios de literatura cearense (1992). Contêm ambos ensaios relevantes sobre alguns momentos básicos de nossa literatura, a exemplo de textos dedicados ao estudo da obra de José Alcides Pinto, Milton Dias, Rachel de Queiroz, Moreira Campos, Francisco Carvalho e Edigar de Alencar. Constitui ainda característica fundamental de sua obra crítica assessoria prestada à Universidade Federal do Ceará, no tocante a algumas edições importantes que tem feito circular, entre as quais Poesia completa (1996) de Aluízio Medeiros, por ele organizada e prefaciada. É bem verdade que Sânzio considera-se mais um historiador do que propriamente crítico, no que há algo de verídico, sobretudo se pensarmos em livros como A academia francesa do Ceará (1971), Literatura cearense (1976), Apolo versus Dionisos (1978) e Aspectos da literatura cearense (1982). Não convém, no entanto, separarmos memória e reflexão, visto que seus estudos não se detêm unicamente na mera sucessão cronológica dos fatos, observando lucidamente o lugar e o valor que cada acontecimento ocupa na história de nossa literatura. 

O pensamento crítico alimenta a compreensão histórica de nossa passagem por este mundo, razão porque cabe ao crítico fundar-se a partir de um diálogo perene com todas as forças que nos orientam e desorientam. Não estamos rumo à transcendência, e sim em busca de uma melhor compreensão de nossa atuação como animal pensante. Não há outro universo mais propício à crítica. Que se realize, então, como singularíssimo lugar de encontro. Neste sentido, Sânzio de Azevedo revela-se nome de extrema importância, a ser somado ao dos grandes críticos e historiadores da literatura neste país.


Floriano Martins: Entende o poeta e ensaísta colombiano Harold Alvarado Tenorio que deve a crítica agir como “comentário e reflexão sobre um objeto artístico a partir de sua própria linguagem”, concluindo que “para ser capaz de falar variadas linguagens necessitamos de muito ócio, muita dedicação ao aprendizado dessas tonalidades”. Você tem uma vida inteira dedicada ao exercício crítico. Como defende tal exercício?

Sânzio de Azevedo: Em primeiro lugar, não me considero propriamente um crítico, e sim (se isto não for imodéstia) um historiador da literatura. Claro que há procedimentos críticos na análise de textos e, por outro lado, não posso fazer história se trato de autores de hoje, o que tem ocorrido vez por outra. A meu ver, existe a crítica que eu chamaria de normativa (que pretende orientar o escritor) e a descritiva (que pretende orientar o leitor). Seriam os casos, respectivamente, de Machado de Assis e Eugênio Gomes. Se há crítica no que escrevo, estaria no segundo modelo.

FM: Segundo sua própria observação, José Albano foi um desses poetas impossíveis de ser inseridos em uma territorialidade estética única, não podendo ser convocado a compor, com exclusividade, o quadro de nenhuma escola literária de seu tempo. Isto acaso o situa em uma posição superior a todos os seus pares? Seria correto dizer que José Albano é o primeiro grande poeta cearense?

SA: Para mim, a grandeza de José Albano está na qualidade de sua poesia e não no fato de ele não poder ser enquadrado em uma corrente estética (um dos raros escritores a quem chamo de gênio foi um puro romântico: Victor Hugo). Aliás, a grandeza de José Albano (considerado por Manuel Bandeira um “altíssimo poeta”) mostra a inanidade crítica de não me lembro quem que afirmou, nos anos 20, que vale mais um poema ruim e modernista do que um que seja bom e passadista. Ninguém mais passadista do que Albano. A última pergunta não é fácil: eu diria que antes de Albano tivemos Juvenal Galeno (cuja obra tem sido subestimada), Joaquim de Sousa e Lívio Barreto. Mas Albano é, sem dúvida, um dos maiores poetas cearenses de todos os tempos.

FM: Recentemente se publicou uma segunda edição (revista e ampliada) de seu A padaria espiritual e o Simbolismo no Ceará. Como sabemos, o Simbolismo no Ceará possui uma característica singular, que é o fato de haver antecedido o parnasianismo, isto sem falarmos no aspecto do mesmo haver sido mais criador. Em teu livro observas que o Simbolismo no Ceará deu-se simultâneo “ao movimento oriundo do Paraná”, ao mesmo tempo em que mostrando-se independente deste. Quais os traços que diferenciam um do outro?


SA: Ao afirmar que o Simbolismo cearense de Lopes Filho e Lívio Barreto era independente do Simbolismo do sul do país, quis significar que ele tinha raízes próprias, não sendo caudatário do grupo da Folha Popular, como o de outros Estados, cuja origem está no Paraná. Mas há traços distintivos nos nossos poetas, uma vez que neles a influência de poetas portugueses (Antônio Nobre, principalmente) foi bem maior do que em Cruz e Sousa e seus seguidores. É interessante também o fato de a corrente aqui haver surgido na mesma época do movimento no sul, o que raramente acontece, tendo ocorrido apenas por volta de 1873, com o Positivismo da Academia Francesa de Rocha Lima, Tomás Pompeu, Capistrano de Abreu e outros. Gostei de você ter mencionado o fato de o Simbolismo cearense ter sido anterior ao nosso Parnasianismo. Esta é uma de minhas poucas descobertas…

FM: Houve um retardamento histórico do Brasil no tocante ao cultivo da poesia moderna. Enquanto ostentávamos o parnasianismo como uma novidade literária, países europeus e hispano-americanos já envolviam-se diretamente com o Modernismo. Apresentava-se então, entre nós, um quadro de subserviência total no tocante a padrões literários já ultrapassados. Como esta situação iria influir no surgimento do movimento modernista de 1922? Segundo observa Ivan Junqueira, verifica-se neste uma primazia de um “nacionalismo exacerbado que tangencia o fascismo”. Penso também em um outro grave equívoco: enquanto inúmeros poetas hispano-americanos (tanto modernistas quanto vanguardistas) rejeitavam veementemente o Futurismo de Marinetti, o Brasil o recebia de braços abertos, a partir da exaltação que lhe fazia Oswald de Andrade.

SA: Fala-se muito no retardamento histórico do Modernismo no Brasil, mas ninguém se lembra de observar que o mesmo aconteceu com outras correntes literárias. Tomando por base a França, de onde vinham as ideias (inclusive algumas do Modernismo, com Apollinaire, Max Jacob, Tzara e outros), veremos que o Romantismo, inaugurado no Brasil por Magalhães em 1836 (com os Suspiros poéticos e saudades), já existia em 1801 no Atala de Chateaubriand, para não irmos à Alemanha, onde Goethe havia publicado o Werther em 1774! O Parnasianismo, que se prenunciava vivamente nos Esmaltes e camafeus (1852), de Gautier, e se implantou na França depois do Parnaso contemporâneo (1866), desembocou aqui em 1878, com as Canções românticas, de Alberto de Oliveira. O Simbolismo, que teve como precursor Baudelaire, com As flores do mal (1857), no ano de Madame Bovary, de Flaubert, explodiu com o manifesto de Moréas, em 1886, e no Brasil, apesar das notas precursoras da década de 80, só se inaugura com o Missal e os Broquéis de Cruz e Sousa, em 1893 (ano do Phantos, de Lopes Filho). Iria ficar como uma corrente subterrânea, como diria Andrade Muricy, sem desbancar o Parnasianismo. Mas é bom que se lembre que Os troféus, de Heredia, um dos frutos mais radicais do Parnasianismo francês, foram editados lá nesse ano de 1893, e com grande repercussão. Quanto ao Modernismo hispano-americano, era, como disse Gilberto Mendonça Teles, uma “mistura de formas parnasiano-simbolistas”, com predomínio destas últimas, acrescentemos nós. É pelo menos o que se pode depreender da leitura dos versos de um Rubén Darío, de um Santos Chocano ou de um Amado Nervo. Quanto ao fascismo contido no nacionalismo de alguns modernistas da primeira hora, sabemos que Plínio Salgado era do grupo Verde-Amarelo, e Affonso Romano de Sant’Anna já apontou o caráter estado-novista (ou seja, fascista) do Martim Cererê, de Cassiano Ricardo. O que faria contraponto com o comunismo de Oswald de Andrade e, depois, Jorge Amado e Graciliano Ramos. No Ceará, tive oportunidade de apontar notas integralistas na poesia de Sidney Neto, o que por sua vez contrastaria com o comunismo de Jáder de Carvalho.

FM: Uma das provas da grande agitação intelectual que se vivia no Brasil dos anos 20 é justamente uma quantidade enorme de revistas literárias publicadas em vários locais. No Ceará não tivemos propriamente uma revista, mas houve uma notável repercussão a partir da publicação do suplemento Maracajá, do jornal O POVO. Embora a Revista de Antropofagia tivesse reproduzido alguns artigos de Maracajá, havia uma certa rivalidade entre ambas facções modernistas. Em seu livro O Modernismo na poesia cearense [com previsão de lançamento em 2ª edição, ampliada com mais ilustrações e a publicação do fac-símile de Maracajá, a ser lançado em 2012] há referência a um incidente envolvendo um artigo de Antônio Garrido, por exemplo. Quais as causas diretas dessa “rivalidade”? E quais relações mantinham os diretores de Maracajá com outras publicações da mesma época?

SA: Não vejo propriamente rivalidade, mesmo entre aspas, entre a Revista de Antropofagia, de São Paulo, e Maracajá, de Fortaleza. Pelo contrário: acho incrível o pessoal haver concedido espaço à gente do Ceará, o que não era usual. No que tange ao incidente, o que aconteceu é que os paulistas não quiseram transcrever as críticas que Demócrito Rocha fizera ao tipo de Modernismo deles. Sobre a repercussão do suplemento cearense, O POVO registrou referências n’O Globo, do Rio, em maio de 1929, e no Diário da Tarde, de Curitiba, em julho. Não me lembro de outras, mas já é muito para um suplemento que teve apenas dois números.

FM: Segundo Alfredo Bosi, o Simbolismo no Brasil viu-se obrigado a conviver com um “longo período realista que o viu nascer e lhe sobreviveu”, observando que se o mesmo tivesse conseguido “romper a crosta da literatura oficial” […] “outro e mais precoce teria sido o nosso Modernismo, cujas tendências para o primitivo e o inconsciente se orientaram numa linha próxima das ramificações irracionalistas do Simbolismo europeu”. Por outro lado, destaca Vera Lins que as tendências atribuídas ao Simbolismo europeu por Bosi eram também características do Simbolismo brasileiro. O mesmo se poderia dizer do Simbolismo no Ceará? Acaso teriam sido essas tendências “para o primitivo e o inconsciente” que dificultaram uma ação maior do Simbolismo no âmbito da literatura brasileira? Enlaço aqui com uma afirmação de Franklin de Oliveira de que “o parnasianismo só obteve anacrônica permanência no Brasil porque, entre nós, em sua época, os simbolistas não alcançaram a audiência que lhes era devida”.

SA: Não me parece que o Simbolismo brasileiro haja tido as mesmas características do europeu; o nosso foi bem mais superficial. Qual o poeta nosso que, além de Kilkerry (e nem sempre), ostentou um hermetismo que lembrasse Mallarmé? No que toca à versificação, Andrade Muricy observou com razão que ele não inovou: “Os sonetos de Cruz e Sousa mantêm a estrutura métrica parnasiana”. Por sinal, num estudo publicado na Revista de Cultura Vozes em 1977, ao falar de desarticulações rítmicas e fugas aos padrões métricos, apontei casos em Emiliano Pernetta, Alphonsus de Guimaraens, Silveira Neto, Lívio Barreto e outros, mas notei que Cruz e Sousa e o próprio Kilkerry (inovador na mensagem) seguiam rigorosamente a versificação clássica. No Ceará, há “irregularidades” métricas em Lopes Filho e em Lívio Barreto, mas seu Simbolismo é ainda menos radical, porque bebido principalmente em Antônio Nobre, a influência maior. Com relação à “anacrônica permanência” do Parnasianismo no Brasil, temos um problema de aritmética: como foi dito na resposta anterior, Os troféus, de Heredia, são de 1893, e as Poesias, de Bilac, de 1888, anteriores portanto. O certo é que, como lembra Afrânio Coutinho, os movimentos literários se imbricam; é falsa a noção de que, na França, iniciado o Simbolismo, o Parnasianismo morreu. O livro precursor do Simbolismo na França todos sabem que é As flores do mal, de Baudelaire, de 1857; se tomarmos o ano dos Esmaltes e camafeus (1852), de Theóphile Gautier, como marco precursor ou mesmo iniciador do Parnasianismo, dele para o livro de Heredia (que não marca o fim da corrente), teremos 41 anos. No Brasil, de 1878, ano da estreia de Alberto de Oliveira, para 1922 (ano da Semana de Arte Moderna), temos 44 anos. Em suma: o anacronismo não nos parece tão chocante à luz da aritmética.

FM: Tanto Amadeu Amaral quanto Franklin de Oliveira sustentam a carência de base filosófica em nosso Modernismo, afirmando este último que o mesmo limitou-se tão-somente a “romper com o passado”, em nada fundamentando essa ruptura. Como situar esta observação dentro do panorama do Modernismo ocorrido no Ceará?

SA: O Modernismo do Ceará é fruto do movimento nascido em São Paulo, e o que se disser de um vale para o outro. O que se queria mesmo era fazer algo de diferente. Basta lembrar que, como observo no meu livro a que você se refere, os modernistas daqui estavam em estreita aliança com os rapazes da “Antropofagia”, mas apesar disse se diziam pertencentes ao “verde e amarelo”, quando, em São Paulo, “antropófagos” e “verde-amarelistas” andavam às turras…

FM: Também pediria uma avaliação sua acerca da revista Clã, que me parece um dos marcos fundamentais da literatura brasileira, inclusive pela dilatada extensão desta aventura. É possível traçarmos uma analogia de seu conteúdo editorial com o de outras publicações da época, a exemplo da paranaense Joaquim e da carioca Orfeu?

SA: Não tenho toda a coleção da revista Clã, que teve trinta números (o último é o 29, mas houve um número zero antes do número 1), mas, com base nos números que possuo e nas obras de vários do grupo escrevi um capítulo de mais de 70 páginas sobre o grupo Clã em meu livro Literatura cearense (1976). E, como tenho repetido exaustivamente, considero o Clã responsável pela implantação definitiva do Modernismo no Ceará nos anos 40. Se Antonio Girão Barroso ostenta traços do primeiro Modernismo ao lado de poemas concretos e Aluízio Medeiros tem notas surrealistas e chega quase ao poema “Práxis”, Artur Eduardo Benevides, a princípio schmidtiano, tem a maior parte de sua poesia na dicção da Geração de 45. Conheço inúmeros periódicos do Modernismo brasileiro, mas não as que você cita.

FM: Confesso aqui que também eu não conheci a publicação paranaense. Se a ela fiz referência é porque a encontrei citada por Gilberto Mendonça Teles, em seu Vanguarda européia e Modernismo brasileiro (12ª edição, 1994), que curiosamente não faz menção à revista Clã. Quanto à carioca Orfeu, foi fundada em 1947, por Fernando Ferreira de Loanda, Fred Pinheiro, Ledo Ivo e Bernardo Gersen – tendo abrigado amplamente os nomes vinculados à Geração de 45. Seguindo em nossa conversa, observo tanto quanto nos momentos iniciais da poesia de João Cabral e Ledo Ivo, é possível identificar uma forte influência do Surrealismo na obra de Francisco Carvalho e José Alcides Pinto. Em grande parte, graças à hegemonia do Concretismo – “o prestígio e a influência patroladora dos [irmãos] Campos”, segundo Gilberto Mendonça Teles –, não circulou entre nós o Surrealismo com a mesma força com que ocorreu em outros centros latino-americanos. Dentro da literatura cearense é possível identificar outras circunstâncias – penso em sua referência ao Aluízio Medeiros – que possam ser vinculadas ao legado surrealista?

SA: No Ceará, que eu lembre, além dos três poetas citados (Aluízio Medeiros, Francisco Carvalho e José Alcides Pinto), há momentos que me parecem surrealistas em Artur Eduardo Benevides quando diz, por exemplo, que a solidão, “fêmea marinha”, é “grande gato amarelo comendo mil guitarras”. Talvez em Iranildo Sampaio também. E nem preciso falar de você mesmo, uma vez que Assis Brasil, n’A poesia cearense no século XX, fala explicitamente de sua “adesão ao Surrealismo”.

FM: Seu nome encontra-se diretamente vinculado ao estudo crítico da literatura cearense. Neste sentido, são de extrema importância, além daqueles que aqui já citamos, livros como Dez ensaios de literatura cearense (1985) e Novos ensaios de literatura cearense (1992), onde encontramos avaliações relevantes da obra de Rachel de Queiroz, Moreira Campos, José Alcides Pinto, Milton Dias e Francisco Carvalho. São também de importância fundamental algumas edições de autores cearenses organizadas por você, como é o caso recente de Poesia completa, de Aluízio Medeiros (1996). Contudo, limitando o raio de ação de sua visão crítica ao âmbito da literatura cearense, não acredita correr o risco da repetição ou – o que seria ainda pior – do afrouxamento desta visão crítica, desgastando-a na avaliação de obras de menor importância?

SA: Você mencionou apenas escritores contemporâneos (aos quais eu acrescentaria Otacílio Colares, Artur Eduardo Benevides, Linhares Filho, Luciano Maia e Nilto Maciel, sem falar em Jáder de Carvalho e Edigar de Alencar, todos estudados nesses livros), mas faço questão de acentuar que, embora contemple volta e meia a obra de autores atuais, a minha preocupação maior é com os escritores do passado, notadamente os pouco estudados. Na verdade, meu objetivo tem sido uma revisão da nossa história literária. Mas, apesar de considerar praticamente encerrado esse trabalho (meu próximo livro, a ser publicado brevemente, é Para uma teoria do verso; além disso, estou escrevendo uma biografia de Adolfo Caminha e há anos trabalho num livro sobre o Parnasianismo brasileiro, tão pouco compreendido hoje quanto o Simbolismo antes do trabalho de Muricy), penso haver dado minha contribuição ao estudo da Literatura Cearense e me satisfaz o fato de haver revelado textos desconhecidos de Joaquim de Sousa (notável poeta romântico), Paula Barros, Américo Facó e outros. Mesmo havendo publicado alguma coisa em São Paulo, no Rio de Janeiro e até em Portugal, contento-me em ser um escritor estadual, ou mesmo municipal…

FM: Ao referir-me tão-somente aos nomes arrolados na pergunta anterior, não o fiz estabelecendo nenhum critério de valor – embora confesse minha preferência por eles, e nunca pelos que você menciona a título de complemento de minha lista, excetuando parcialmente a poesia de Edigar de Alencar e a prosa de Nilto Maciel –, mas sim evitando cair num acúmulo exaustivo de nomes. Mas voltando a seu interesse maior, o de resgate histórico de obras fundamentais perdidas no tempo, caídas em esquecimento, recordo que Adolfo Caminha, em suas Cartas literárias (1895), escrevia: “Nada de Simbolismo: Verlaine está proibido na imprensa nacional. Um poeta de talento não pode escrever versos errados e papa Verlaine (ó manes de Castilho!) ‘erra’ desgraçadamente.” Está claro que mostrava sua simpatia em relação ao Simbolismo, ao mesmo tempo em que disparava contra o triunfo da mediocridade. O que nos traria hoje, no sentido de uma iluminação de nossa cultura literária, uma biografia de Adolfo Caminha?

SA: Nem sempre, nas Cartas literárias, Adolfo Caminha demonstra simpatia pelos simbolistas, chegando mesmo a desejar que Artur Azevedo escreva uma obra nova, que “fosse um exemplo, uma lição para essa mocidade que anda se iludindo com os simbolismos de uma arte falsa e pobre, rebuscada em Verlaine” (p. 197). Quanto à ideia de fazer uma biografia do autor de A normalista, é o caso de eu perguntar por que uma biografia de Zola, ou de João do Rio, ou de Assis Chateaubriand, ou de Garrincha, ou ainda de Noel Rosa ou de Orestes Barbosa. Creio que qualquer pessoa que atinja a fama, seja na literatura, no jornalismo, no esporte ou na música popular desperta o interesse do leitor para sua vida. Só no campo da literatura brasileira, há várias biografias de Fagundes Varela, de Castro Alves, de José de Alencar, de Machado de Assis e de Olavo Bilac. Penso que Adolfo Caminha, que tem tido pelo menos dois romances reeditados ao longo dos tempos (A normalista e Bom-crioulo), e cuja vida, apesar de relativamente breve, tem lances algo dramáticos, está merecendo a homenagem de uma biografia, naturalmente com alguns comentários a respeito de sua obra.

FM: Você disse que o Parnasianismo brasileiro é “tão pouco compreendido hoje quanto o Simbolismo antes do trabalho de Muricy”. Esta má compreensão teria a ver com uma opulência vocabular sacrificando a própria expressão das ideias, característica bastante peculiar ao Parnasianismo, chegando mesmo ao que Franklin de Oliveira denomina de “promiscuidade retórica”? Ou acaso seria outra a razão de sua errônea avaliação histórica?

SA: Na verdade, há vários tipos de incompreensão. O Parnasianismo desempenhou um papel de certa forma antipático: estética dominante, como que abafou o aparecimento do Simbolismo que, mesmo dispondo de revistas, não conseguiu impor-se. Mas aqui entra a primeira incompreensão: o fato de os simbolistas não haverem atingido o público (enquanto Bilac era lido e até decorado) prova que o Parnasianismo não foi aquela corrente impassível que nem na França conseguiu ser sempre. Por outro lado, a culpa disso não cabe aos parnasianos, mas aos próprios simbolistas que, com seu vocabulário cheio de arcaísmos e neologismos, fecharam-se na famosa “torre de marfim”. Outra incompreensão é a afirmação de que os chamados parnasianos, porque atingiram o grande público, eram superficiais, pois como lembrou Alceu Amoroso Lima, Bilac reuniu, “em torno de sua musa, um entusiasmo, ao mesmo tempo culto e popular, só comparável, antes dele, ao de Gonçalves Dias e de Castro Alves e, depois dele, a ninguém mais”. Outra incompreensão diz respeito a Alberto de Oliveira: Sílvio Romero disse uma vez que ele era “o parnasiano em regra, extremado, completo, radical”, e isso, que vale apenas para uma parte de sua volumosa obra, é repetido até hoje, ainda agravado com a mania que os autores de livros didáticos têm de reproduzir o famigerado “Vaso grego”, em que os hipérbatos me parecem mais barrocos do que parnasianos. Leia “Alma em flor”, poema composto de vários poemas menores, de versos trabalhados mas de emoção puramente romântica, e se verá que não é correta a generalização. Isto eu demonstro em Apolo versus Dionisos (1978), opúsculo de pouca repercussão, apesar de ter merecido um comentário de Domingos Carvalho da Silva na Revista de poesia e crítica, de Brasília. Diz-se que Alberto é só forma, sem lembrar, por exemplo, “O pior dos males”: enquanto Vicente de Carvalho dizia que “só a leve esperança, em toda a vida, / disfarça a pena de viver, mais nada”, Alberto de Oliveira diz: “Ela é o pior dos males que há no mundo, / pois dentre os males é o que mais engana”. Já se falou também na falta de originalidade do poeta, e eu lembro o soneto “Ironia”, em que o poeta, ao falar de um vidro quebrado, diz que ele “parece estar-se a rir de estar ferido”. Quanto a Raimundo Correia, outro grande poeta (que forma, com Bilac e Alberto, a famosa “trindade” da corrente), foi considerado plagiário (por causa do “Mal secreto”, bebido em Metastásio e de “As pombas”, inspiradas em Gautier), mas tem sido poupado, talvez pelo fato de Manuel Bandeira, secundando João Ribeiro, o considerar o maior dos três, opinião não seguida por Ivan Junqueira que, a meu ver, incorre em falha no julgamento que faz de Alberto de Oliveira. A verdade é que de qualquer corrente estética (sem exceção) não é difícil sair catando momentos mais infelizes para fundamentar argumentos equivocados.

FM: Você tem uma teoria do verso a ser brevemente publicada. Até que ponto ela contempla as diferenças entre prosa e poesia? Que lugar encontra em sua teoria o poema em prosa, largamente cultivado pela modernidade?

SA: A proposta do livro se encontra no próprio título: Para uma teoria do verso. Assim, limito-me a falar exclusivamente do verso, que já é um campo bastante vasto, deixando a prosa para quem queira estudá-la. No que toca ao poema em prosa, tão praticado a partir de Baudelaire, por mais poético que seja será sempre prosa, fora, portanto, de minhas cogitações nesse livro. Gostaria de acrescentar que ainda aqui não me afasto da visão histórica, pois estudo os versos dentro das correntes estéticas, ou estilos de época, razão por que jamais uso a expressão versificação tradicional, tão comum em trabalhos dessa natureza. É que, segundo demonstrou Péricles Eugênio da Silva Ramos, a metrificação de nossos românticos (e dos poetas anteriores) era a espanhola, em que se contava uma sílaba além da tônica final, o que, nos versos compostos, dava resultados que os parnasianos não entendiam e por isso consideravam simplesmente erro, o que, diga-se de passagem, tem tido repercussões até hoje. Faço questão também de desfazer o equívoco de que foi Mário Pederneiras quem primeiro fez verso livre no Brasil, quando o que ele usava era a polimetria.


*Floriano Martins (Ceará, 1957) é poeta, editor, ensaísta e tradutor. Dirige a Agulha Revista de Cultura (www.revista.agulha.nom.br) e colabora semanalmente com o DC Ilustrado (Diário de Cuiabá) com uma série de entrevistas que futuramente reunirá em livro intitulado Invenção do Brasil. Contato: arcflorianomartins@gmail.com.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

"Batman contra James Holmes", por José Alves, para o AlmanaCULTURA.


Ninguém consegue explicar nos EUA como aquilo pode ter acontecido, como foi possível que o Batman não tenha chegado a tempo de evitar a tragédia que se aproximava em seu cenário de ficção, uma sala de cinema em Denver, Colorado. Mas o certo é que até o próprio herói mascarado, surpreendido no dia de sua estreia, foi incapaz de reagir a tão contundente ataque, logo de um de seus milhares de fãs. Talvez ele estivesse esperando outro tipo de inimigo, além dos famigerados e antipáticos Coringa, Charada, Pinguim ou da fatal mulher gato: provavelmente esperava um hollywoodiano “terrorista” árabe ou iraniano, um guerrilheiro colombiano ou zapatista mexicano, um agente russo ou chinês que, como os terroristas de 2001, tivessem conseguido burlar todas as agências de segurança nacionais do império para, invejosos que são, atacar em Gotham City. Mas também não é a primeira vez que o “nosso” herói Batman se equivoca.
O jovem James Holmes é apenas o último nome de uma extensa lista de assassinos de pele branca ou clara com sobrenome irreprimível de “boa família” tradicional ianque, que não precisou burlar qualquer controle de segurança para entrar em território norte-americano e perpetrar sua matança porque já estava sendo gestado dentro das entranhas do próprio monstro e também porque, provavelmente, nunca saiu de lá para conhecer outras realidades socioculturais, como a mexicana, a colombiana ou brasileira. Para que, se a “América” é auto-suficiente e com o olhar da CNN e da Fox News ele podia “entender” as coisas em outras latitudes?
James Holmes é, afinal de contas, como muitos outros compatriotas seus, a própria imagem e semelhança do “Batman”, do “Superman”, do “Spiderman” ou do “Rambo”, sempre preparados para enfrentar e vencer os “inimigos da América” e também deve ter passado a maior parte de sua infância e juventude em “Lan House” ou mesmo em casa jogando “game” com seu super herói preferido. Povo que elege Arnold Schwarzenegger governador da Califórnia é povo que vive a realidade como os personagens de ficção. É a arte imitando a vida, afinal de contas. Não será ao contrário, no caso?
O nosso personagem James Holmes, ao matar 12 cinéfilos e ferir dezenas de outros numa sala de Denver, não era nem de longe originário do Yemen ou do Afeganistão, muito menos membro de uma célula dos “arquiinimigos” adeptos de Bin Laden e de sua Al Qaeda (finalmente “eliminado” por Obama e jogado em alto mar), esses que causaram, em “conluio” com Saddam Hussein, o derrubamento sincronizado das Torres Gêmeas em 2001. Ele é um típico gringo nascido no pós-guerra fria e no estado do Tennessee.
Holmes (é ou não é nome de araponga?) muito menos professava a religião muçulmana ou a hinduísta, nem se dedicava aos cultos satânicos, muito populares naquelas terras nórdicas. Com seus viçosos 24 anos ele era, isto sim, de uma família de classe média e fiel da igreja protestante, estudava medicina na Universidade de San Diego, Califórnia, onde frequentava o núcleo de neurociências. Logo de neurociência? Ao contrário, não vestia babuchas nem colocava turbantes, e sim o clássico “jeans” e bonés com emblemas esportivos tão popularizados mundo afora até chegar a terras tupiniquins dos acangabepas. Muito menos assistia a programas de televisão de canais árabes como Al Yazira, e, sim, a CNN.
O nosso cowboy ianque não comia quibes ou pão árabe. Para que, se para ser feliz é suficiente abocanhar diariamente hamburgueres, sanduíches e batatas fritas acompanhadas com uma dessas populares garrafinhas de cerveja ou da “insubstituível” Coca-Cola. Essa sim, não pode faltar de jeito nenhum, nem lá nem cá. Claro que também não calçava sandálias, mas o tênis de US$ 400,00 ou US$ 1.000. Para nem falar em celebrar coisas “exóticas” como o ramadã ou o ano novo chinês. Para que se o 4 de julho é “superior” a qualquer outra “coisa” que se comemora em outros “obscuros rincões” do planeta? Holmes nunca leu ou sequer ouvir falar no Corão, mas sua família provavelmente assina ou lê o Washington Post ou, se for um pouco mais exigente intelectualmente, o New York Times.
O nefasto personagem James Holmes nunca foi um estudante meritório de nenhuma madrassa talibã ou escola corânica, e, sim, frequentador de “campus” de uma simples e comum universidade ianque. Não era mesmo simpatizante da Al Qaeda ou da Jirad Islâmica, muito pelo contrário, aprendeu desde cedo a odiá-las como os piores inimigos da humanidade, invejosos obstinados em destruir o “american dream” e impedi-lo de frequentar seu cineclube local.
Nunca jamais imaginou ou desejou algum dia peregrinar na cidade sagrada de Meca ou tomar banho no rio Ganges. De qualquer maneira, Holmes já tinha feito algumas excursões de montanha como “boy-scout”.
O super herói (ou será vilão?) James Holmes não foi sequer detectado em nenhum aeroporto, mesmo com as sofisticadas medidas de segurança de que dispõem as autoridades do país dos ianques para prevenir ataques terroristas estrangeiros, porque ele é um típico estúpido homem branco, um típico Homer Simpson, com idade mental entre 6 e 12 anos, mas que adquire armas legalmente com a facilidade de quem compra farinha nas feiras livres de Fortaleza e do interior, bastando apresentar a identidade. E nem ouse Obama ou qualquer democratazinho financiado direta ou indiretamente pelo intocável lobby representado pela poderosa Associação Nacional do Rifle, falar em restringir o acesso a armas de fogo a que “qualquer” cidadão, constitucionalmente, tem direito, um tabu inexpugnável naquela sociedade alienada de tangedores de boi, cheiradores de pó e fumadores de Maria Juana.

José Alves
Professor, tradutor e pesquisador em América Latina


sábado, 21 de julho de 2012

"Coisas Engraçadas de Não se Rir XXI: Ensaio para Crônica", de Raymundo Netto para O POVO (18.9)



No Brasil, podemos afirmar que a crônica está para a literatura, assim como o samba está para música. Afinal, quem não gosta de samba bom sujeito não é; quem não gosta de crônica também não.
O fato é: nossas crônicas, todas as boas ou todas as más, mesmo as falsas e as miseráveis, parafraseando um Chico, como nossos sambares, serão bonitas, não importa são bonitas.
Há de boçais pregarem ser a crônica um gênero menor. Isso é bobagem. Gênero menor é o conto, onde se dá por escrever menos. E o que dizer da poesia, uma garatujazinha trepada em degraus em proposta frustrada do indizível?
In verbis ou on verbis, contextualizada a questão de quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha, arriscamos afirmar que foi a crônica, e que esta não é pinto não.
O também cronista popular Pedro Salgueiro, atento aos meus desastres de vida, costuma dizer: “Rapaz, tinham que inventar um emprego de ‘fazedor de sala’... Acho que nele você se daria bem.” Pois é, não de emprego, mas escrever crônica é meio que fazer sala, bater papo, conversar. Advirto, entretanto, que a escrita poupa o leitor da decepção presencial daquele indivíduo muitas vezes mais interessante por trás de suas palavras. Aquele que, num primeiro ou segundo momento, há de revelar o pensamento disperso, de engolir as últimas sílabas quase impronunciáveis, de gaguejar em digressões extensas sem hora de ter fim, ou de, subitamente, mostrar a face apática de quem se apercebe a qualquer instante que falar sobre a mais bruta bobagem pode ser mais interessante do que versar sobre teorias literárias, acordos ortográficos e gêneros textuais.
Por outro lado, o cronista, por excelência, é um bom ouvidor. Aliás, andar em ônibus e ouvir a conversa alheia são alguns dos instrumentos de trabalho do cronista. Ler jornais, ouvir rádio, prestar atenção nos feitos de outrem, seja numa agência bancária, num banco de praça, em restaurante, em corredores de hospitais e mesas de bares, também ajuda. Em contradição, a falta de assunto é, de longe, um dos melhores e mais frequentes estímulos para o autor. Diante dela, do branco evidencial, cria-se de um tudo, a partir sempre da recorrente constatação: não sei mais o que escrever! (e eu preciso mesmo?)
O Airton Monte, o cronista diário de O POVO, que o diga. Dias há em que conversa até com as formigas na calçada para extrair-lhes alguma doçura, mesmo que esta, a todo esforço, ainda vingue por adoçante.
Daí, o cronista, como convidado do café da manhã de seus leitores, ter a oportunidade de salvar o dia ou azedá-lo completamente, a partir de uma piada bem colocada ou da constatação inequívoca de nossa total inabilidade e incompatibilidade para viver neste mundo – existem outros, acredito.
E é nisso, enfim, que reside ainda a possibilidade da crônica, no seu fazer, que deveria ser de todo assim: olhando no olhos, puxando firme o cabelo à altura da nuca, dando ordens ao pé da orelha, e, se couber, dando uns tapinhas, com toda a gentileza que só quem traz um amor pode entender.

"Quantas de Nós" no Bazar das Letras do SESC (31 de julho)

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"Quantas de Nós" no Bazar das Letras do SESC
Dia 31 de julho (terça-feira), às 19h
Local: Teatro SESC Emiliano Queiroz (em frente ao DNOCS da Duque de Caxias)
Mediador: Carlos Vazconcelos

“Os estilos são variados, assim como os temas. Para o leitor, então, mesa farta e diversificada. Servir-se acaba sendo uma degustação prazerosa e com muitas opções de sobremesa. Os homens deveriam ler este livro (aqui se fala muito deles, talvez uma tentativa de falar com eles). Nos contos de cada uma, há caminhos ou pistas para se chegar até elas, em imaginários e compleição diversos: delicadas, devassas, entristecidas, loucas, aladas.”
Sarah Diva, escritora e professora de Literatura UECE.

“É um universo cheio de curvas – algumas suaves, outras drásticas. A estrada às vezes corre tranquila, embora nunca monótona. O caminho também pode se estreitar, no convite à vertigem. As autoras são dinâmicas e sinuosas, brincam de ciranda, modulam e confundem suas vozes. O leitor que abrir a antologia estará no começo de suas surpresas. Vai experimentar o bom espanto que a literatura traz todos nós.”
Tércia Montenegro, escritora e professora de Linguística da UFC.

As Autoras:
Carmélia Aragão – Autora de Eu vou esquecer você em Paris (III Edital de Incentivo às Artes, da SECULT, 2006). Mestre em Literatura Brasileira (UFC). Doutoranda em Literatura (PUC).
Cleudene Aragão – Mestre em Literatura (UFC). Professora de Língua e Literatura Espanholas do Curso de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Linguística aplicada da UECE.
Inês Cardoso – Professora de Língua e Literatura Espanholas (UFC). Mestre em Literatura Brasileira e Doutoranda em Literatura Espanhola. Publicou Cicatrizes submersas d’Os Sertões, Descartes Gadelha e Euclides da Cunha.
Maria Thereza Leite – Pós-graduada em Teorias da Comunicação e da Imagem (UFC). Foi jornalista do caderno O Globo Feminino e da revista Boletim Cambial, no Rio de Janeiro.  Vencedora de vários prêmios literários. Publicou: Mosaicos e Passagem Secreta para a rua (ambos de contos).
Ruth de Paula – Doutora em Educação Brasileira (UFC). Publicou Chuva, Sol, Sombra e sombrinha (crônicas).
Vânia Vasconcelos – Doutoranda na UNB, professora da FECLESC/UECE. Publicou: Mergulhos (crônicas), Desvios (contos) e Chão de Infância (infantil).

quinta-feira, 19 de julho de 2012

"Coração de Bolso", Raymundo Netto (19.07)



O coração pulsava no seu bolso, via-se.

Tangia as cordas bicúspides e sangrava por dentro, passava num quase acreditar, num quase que morrer de amor. Vinha.

Debulhado em sonhos, postos com talheres à mesa, servido em ilusão cozida, ali, na hora, ao ponto de gritar a bulha rouca e derradeira.

O coração pulsava em seu bolso, o esquerdo, alto com listas vermelhas.
Era de dar dó, de dar ré e, não para trás, mi. Fá solar sem dó.

O coração lhe estava a pensar a vida, doente dela, apatiático, apertando o punho amargo de lembranças como a chuva, no sereno ciano de um céu de entrelinhas de papel.

No cardial desejo ruminava o vão do corredor da horta, e da porta, o trinco.

Gritava o grito mudo como estalo dos cascalhos largados no fundo mais profundo de seu esquecimento de não (mais) amar. Gritava ao mar.

As ondas respondiam-lhe sempre que não, enquanto o céu deitava em suas costas no horizonte expectante de uma tarde em solidão: Não!

As calçadas o guiavam na mosaicidade de passos e pensamentos, corpos enlevos de volúpias, corpos nus de alabastro, garatujas forrando papéis amarelos, deitadas em camas pequenas cobertas por colchas desfiadas por patas de gatos sonolentos.

O coração inda pulsava em seu bolso, numa incerteza arteriosa e dolente, absolvido de suas culpas venais, não tão suas, não tão duras, não tão quentes, envolventes e coisas e tais.

Maçado em seu ponto, o contraponto, o marcapasso e compasso, a sentença de sua costelação sem luz d’alva.

O sangue bruto vinha-lhe vermelho, a amiudar o amor mais de perto, tornando tintas as paredes e teto, os encanamentos e encantamentos, mole como doce do açúcar, molhado como beijo de saudade, inesquecível quanto bilhete marcando página de agenda.


Ah, e era então quando o coração calava o peito tão sincero, a ouvir de ela chegar, no zero, a ultrapassar a porta e o olhar, o sorriso derramando da boca, a voz do bom-dia, e a razão do incerto desse mundo a suturar seus cortes com fios de única alegria.

domingo, 15 de julho de 2012

"Canção pra Não Voltar", A Banda Mais Bonita da Cidade



http://www.youtube.com/watch?v=kTS64qgHuIo (para ver o clip no YouTube)

Não volte pra casa, meu amor, que aqui é triste.
Não volte pro mundo onde você não existe.
Não volte mais.
Não olhe pra trás,
Mas não se esqueça de mim, não.
Não me lembre que o sol nasce no leste e no oeste morre depois.
O que acontece é triste demais,
Pra quem não sabe viver, pra quem não sabe amar.

Não volte pra casa, meu amor, que a casa é triste.
Desde que você partiu, aqui nada existe,
Então, não adianta voltar,
Acabou o seu tempo, acabou o seu mar, acabou seu dia,
Acabou, acabou...

Não volte pra casa, meu amor, que aqui é triste.
Vá voar com o vento que só lá você existe.
Não esqueça que não sei mais nada,
Nada de você.
Não me espere, porque eu não volto logo;
Não nade, porque eu me afogo;
Não voe, porque eu caio do ar.
Não sei flutuar nas nuvens como você.
Você não vai entender
Que eu não sei voar
Eu não sei mais nada!

quinta-feira, 12 de julho de 2012

I Feira Brasileira do Cordel, no Dragão do Mar (17 a 19 de julho)

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I FEIRA BRASILEIRA DO CORDEL
Data: 17, 18 e 19 de julho
Horário: Das 16h às 21h30
Local: Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
Informações: 3217-2891 | 9675-1099
aestrofe@gmail.com 

Mais sobre a Feira:
A Literatura de Cordel está com a corda toda. Gênero literário surgido no Nordeste, o Cordel teve em Leandro Gomes de Barros (1865-1918), paraibano de Pombal, seu primeiro grande difusor e seu criador mais ilustre. Autor de clássicos que se imortalizaram em mais de um século, a exemplo de Juvenal e o Dragão, O Cachorro dos Mortos e A Donzela Teodora, Leandro é a referência maior da atual geração de cordelistas, na qual brilham nomes como o de Klévisson Viana, Rouxinol do Rinaré, Arievaldo Viana e Marco Haurélio.
É justamente Klévisson Viana, cearense de Quixeramobim, poeta popular, editor e ilustrador, o idealizador da I Feira Brasileira de Cordel, que terá como palco o Centro Cultural Dragão do Mar, um dos espaços culturais de Fortaleza. Entre os dias 17 e 19 de julho, a capital cearense receberá alguns dos mais representativos criadores da poesia popular, entre os quais os baianos Bule-Bule e Marco Haurélio, os paraibanos Chico Pedrosa e Chico Salles, o carioca Fábio Sombra e o pernambucano Marcelo Soares. O Ceará estará muito bem representado nas vozes dos consagrados repentistas Geraldo Amâncio e Zé Maria de Fortaleza, além de rodas de declamação com Paulo de Tarso, Rouxinol do Rinaré, Francisco Melchíades, Lucarocas, Arievaldo Viana, Evaristo Geraldo e o curador do evento, Klévisson Viana.
A primeira edição da feira homenageará os cem anos de nascimento de Joaquim Batista de Sena, um dos maiores cordelistas de todos os tempos  e estarão expostos à venda folhetos e livros de várias editoras, como Tupynanquim, Nova Alexandria, Luzeiro, Conhecimento, Hedra, Coqueiro, além das entidades apoiadoras, como a ABC (Academia Brasileira de Cordel), CECORDEL (Centro de Cordelistas do Nordeste) e ILGB (Instituto Leandro Gomes de Barros).
A realização do evento se tornou possível a partir da seleção do projeto da AESTROFE (Associação de Trovadores, Folheteiros e Escritores do Ceará) pelo Prêmio Mais Cultura de Literatura de Cordel, no ano de 2010. 

"Da Preguiça como Método de Guerrilha", de Pedro Salgueiro, para O POVO (11.09)


Desde que me entendo por gente sou um sujeito lesado. Minha mãe diz ter suspeitado até quase o oitavo mês de que eu não nasceria, tamanha era minha imobilidade intrauterina: não chutava, não me virava, permaneci (para desespero dela e do médico) quietinho até a véspera do parto. Até a véspera não, até a hora exata, pois mesmo já enxergando a luz forte vinda da janela do quarto de minha avó ainda aproveitei para uma última e descompromissada cochiladinha dentro daquele líquido quentinho.
Claro, não sou bobo, que nasci a fórceps.
Cresci um menino mofino: vivia pelos cantos coçando a cabeçona cheia de lêndeas. Por conta disso levei muitos cascudos de meu pai, bastantes gritos de minha mãe, além de mangação dos amigos e irmãos. Em compensação, na escola eu era o mais comportado. Não por convicção, verdade se diga, mas por puro comodismo, preguiça mesmo de fazer bagunça. Logo, fui me tornando um adolescente atípico, preferia músicas lentas, ambientes despovoados, colegas tristes, os esportes menos radicais. Jogar bila e soltar arraia eram minhas brincadeiras preferidas, nelas desenvolvi grandes habilidades. Mesmo no futebol, esporte obrigatório no colégio e no bairro, escolhi (claro) a posição de “beque parado”: compensava com um bom passe a minha total falta de mobilidade.
Nunca entendi por que me apelidaram de “coqueiro”, que não foi o pior dos muitos apelidos que levei pela vida afora. “Marcha lenta”, “Devagar com câimbra”, “Recordista de cem metros rasos para tartarugas” e mil outros mais. Se na época já se falasse em bullying, eu seria um caso a ser estudado pela universidade. 
Mas graças a Deus me tornei um adulto tranquilo, me casei cedo... porque sempre fui caseiro, para desespero dos de casa. Tenho um verdadeiro fascínio por televisão, que minha adorada esposa diz (sem dó) ser o vício predileto dos malandros. Também adoro livros, muito embora passe meses para terminar um reles voluminho de contos. Poesia é minha preferência, haicais especialmente. Com o tempo fui me aventurando pela prosa, contos e crônicas sempre, romances jamais. Até arrisco escrever alguns minicontos e ganhei diversos concursos literários. Ah, sim, meu livro preferido é Da preguiça como método de trabalho, do mais que “acomodado” e querido poeta Mário Quintana, e a música que vivo cantarolando por aí é Soy latino americano, de Zé Rodrix, um “molenga” convicto.
Concluí a faculdade de Turismo em longos doze anos, quase o triplo do tempo permitido e quando já havia recebido vários avisos ameaçadores da coordenação. Mas terminei, mesmo tendo que ir colar grau em data especial, pois esqueci o dia da solenidade. E como todo bom “descansado” passei mais alguns anos pensando num emprego que se adaptasse ao meu ritmo, que com a ajuda de amigos e familiares não foi lá muito difícil. Hoje sou um modesto funcionário público, que cumpre todo santo dia o calvário de bater ponto, não sem contar (e marcar no calendário sobre a mesa) religiosamente os dias que faltam para a minha tão sonhada (e ainda distante) aposentadoria.

Atravessando a meia idade vou adquirindo o meu ritmo ideal, pois o avançar dos anos vai me concedendo os álibis necessários para uma vivência mais tranquila.

Mas para fechar minha penosa missão aqui na terra decidi finalmente fazer um mestrado, sonho antigo de quando ainda terminava a faculdade (e lembrado até a exaustão por minha família em muitos enchimentos de saco). Escolhi o tema, soletrando na cartilha de Dom Gilberto Freyre e rezando na igreja de São Cascudo: a lenta e eficientíssima guerrilha (mais eficiente que o magistral pacifismo de Ghandi) movida pelos nossos “preguiçosos” indígenas contra o ganancioso explorador europeu que aportou em nossos “tristes trópicos”. Tática tão eficiente que os forasteiros tiveram que recorrer ao continente africano para conseguir mão de obra escrava para seus nefastos projetos. Até escolhi (mentalmente, claro) a bibliografia a ser usada e, principalmente, já elegi a eficientíssima arma (e símbolo) usada pelos nativos em seu paciente (e vitorioso) empreendimento – A REDE, esse que talvez seja o símbolo maior dessa maravilhosa guerrilha e com o qual nosso primeiro habitante enfrentou e venceu o poderoso inimigo. Objeto lúdico e mortal que, hoje em dia, apenas o pobre Estado do Ceará usa.
P.S.: Até já teria começado a rabiscar as primeiras linhas de meu projeto, não fosse a encomenda de uma croniqueta de duas páginas sobre a “preguiça”, feita por este prestigioso jornal, que me consumiu os meses de maio e junho todinhos, e que talvez ainda me levem uns bons dias de revisão.

"Pesadelo", conto de Carmélia Aragão, para AlmanaCULTURA



Pesadelo

Existe um desconforto entre mim e meus pensamentos. Um exagero de palavras ou de hipérboles mudas, às vezes. Sonhei, por exemplo, que voltava à cidade onde passei a infância. Na estrada encontrava roupas e sapatos dentro de uma sacola de plástico. Um vestido preto de cetim, sujo de sangue, um sapato de salto também preto e me vesti com essas roupas. Um carro para. Era um padre que nunca vi antes, dizendo-me que a dona daqueles pertences estava há meses desaparecida. Como sabia?Ele a teria visto pela última vez? Ele a despira e jogara fora o vestido e os sapatos. Entro na cidade, o carro some, as pessoas não me veem, tento alcançar a casa de minha avó, mas ambas não estão mais. Caio na ladeira que liga a rua a casa. Me rasgo, não sinto meus braços, minha boca sangra, sinto meus dentes quebrarem, tenho areia na boca. Escuto vozes de crianças. Não me veem.  Estou desaparecida há meses, quem sabe, anos. Qualquer sonho vira pesadelo. Abro os olhos o céu é cinza lá fora. A casa está vazia. Ninguém me chama.

(C.07/04/12)

quarta-feira, 4 de julho de 2012

"Coisas Engraçadas de Não se Rir: O Terrível Capitão América", de Raymundo Netto para O POVO (4.7)


Tenho muito desconfiança e receio dessa mania norte-americana, à vista grossa da cenográfica ONU, de “assumir as dores de todo o mundo”, feito um indesejado Super-Homem ou qualquer um desses heróis de meia-tigela que sobrevoam os céus de cuecas ao avesso (nunca entendi isso) e o imaginário desse povo ególatra, ruim de geografia, tarado por basquete e que enfeita tudo com gergelim, fritas e bacon.
Os Estados Unidos, num “american dream”, enriqueceram na base do comércio e fabricação de armas, ou de largos empréstimos para a sua compra, mantendo acesas as guerras e o terrorismo no mundo, cúmplice silencioso em discursos de “piece and love”,  fazendo o seu próprio terrorismo, o econômico-predatório, o que devasta — sem comida, sem água, sem recursos e sem jeito — os países que nem queremos saber que existem, pois são, em sua maioria, dominados por ditadores broncos, líderes fanáticos, habitados por gente pobre, “atrasada”, não-cristã e doente, repletos de pestes da moda (Aids/Sida, Ébola), ou mesmo as históricas, já extintas nos demais países, e outras novidades. Esses povos que, se escaparem de tudo isso, ainda lhes restará a fome, a sede, a violência, a humilhação, o desprezo, o estupro, enfim, uma série de mazelas que não nos dizem respeito porque somos “emergentes”, já fomos pobres, “zés cariocas”, hoje, não, somos abençoados por Deus e bonitos por natureza, exclusive os milhares de brasileiros que ainda não entenderam direito o tal “american way of life”.
São muitas as histórias de personagens americanos que, por não agradarem a inteligência pentagonal, acabaram “comendo capim” cedo, geralmente mortos por tiros de um doido que vinha passando na rua e blá-blá-blá. Mistérios indissolúveis do senhor Columbo, via “efibiai”, “siaiei” e “mibi” na série “Acredite se Puder”.
Não vou mentir. Senti-me enojado com o clima de celebração transmitido pela TV mundial, via Casa Branca, após o assassinato do Mister Bin. Triste o ufanismo daqueles a aguardar a desejada execução e a não surpreendente “vitória” americana — por conta disso, em único dia, o Obama aumentou em 9 pontos a sua expectativa de eleição, o dólar aumentou sua cotação e os índices da bolsa americana subiram.
E mais: mataram a cobra e não mostraram o pau. Cadê o homem? Jogaram no mar, enrolado em branco, respeitando-lhe os rituais da crença... Que comédia é essa?
Por isso lembrei também de quando eles mataram o Che Guevara, este que hoje enfeita as camisas dos revolucionários ou pseudo-revolucionários (pelo menos ajuda a ganhar a mulherada na faculdade). A comemoração foi daí para melhor, com direito a troféu e tudo (como aqui bem os imitaram com a exposição do Marighela). Não estou comparando o Che com o Osama. Aliás, este cabra santo não era — como não é o Obama nem o Lula —, mas não aceito que os Estados Unidos tomem nas mãos a soberania de países alheios, principalmente quando inventam motivos para destruir seus inimigos, às vezes, ex-aliados, às vezes, gente que sabe demais (ou de mais). Sempre tão culpados de tanta coisa, têm, a seu favor, o poder da imagem, o homem-aranha, os programas, os filmes, a Coca-Cola, o “Toy-Story” e, infelizmente, o “Dr. Jivago”, que é russo.
Quando os MacAmericanos, similares ao seu herói genocida Custer, invadiram o Iraque com a justificativa de acabar com as armas químicas, tipo assim, “Putz, foi mal, não encontramos, ó”, mesmo após tanta devastação, ainda fizeram desserviços à humanidade, como: saque de milhares de objetos do Museu do Iraque (dentre eles, dezenas de esculturas assírias em marfim); a destruição, por ação de bombas ou para serem transformados em heliportos e estacionamento de veículos militares, de sítios arqueológicos sumérios (povo que inventou a escrita em 3.000 a.C.); a perda do acervo de manuscritos sobre a civilização mesopotâmica, por incêndio da Biblioteca Nacional do Iraque no dia da conquista de Bagdá; danos ao Portão de Ishtar, a entrada principal da Babilônia, que resistiu à destruição pelos Persas no século VI a.C., mas que, ao povo norte-americano, se rendeu.
Cabe bem daí a nossa atenção. Pode ser que um dia eles cismem em nos tirar alguma coisa — nossos recursos naturais, por exemplo, que ninguém no mundo tem igual, mas que por aqui desperdiçamos — e, no afã de nos proteger de nós mesmos, será um salvem-se quem puder, “We are the World”, pois até parece que ninguém está conosco, se eles também não estiverem. The End.