sexta-feira, 21 de maio de 2010

"Dois temperos para mundos tão desiguais: Copa do Mundo e Eleições", crônica de Raymundo Netto para O POVO (21.05)






Copa e Eleição. Eleição e Copa. Dois mil e dez, sem dúvida, dará o que falar. Nas rodas de bares da cidade, além das opiniões supérfluas sobre os “heróis” daquele também supérfluo e mexeriqueiro programa de tevê, líder homofóbico de audiência, ou sobre o capítulo final da insossa novelinha francarioca (?) sabotada por péssima interpretação, e das divagações sobre as rotineiras rotinas de velhidades, da esperança que não virá mesmo com um novo amor, das crônicas mirabolantes do sexo que nunca aconteceu, surge sempre um comentariozinho, chulo que seja, sobre esses dois temas: Copa do Mundo e Eleições, ou vice-versa. Bem, “vice”, em ambos os casos, não soa meritório...

De Copa, assim como tudo aquilo que se refere às paixões humanas, pouco se entende e se sabe. Sempre tomamos no ouvido a sentença básica de que o técnico não presta — nem vai prestar —, que o jogador tal, mesmo em chuteiras, só joga de salto alto, ou que amarela — não só na canarinha camisa —, enquanto o outro só joga mesmo lá fora, mas que aqui, no Brasil, que é bom, é um autêntico perna de pau, um fantástico bola murcha. Torcer por um time desses é quase como se perder um voto na urna... ou na trave!

De Eleições — que tem parecença com corrida de cavalos —, assim como tudo que diz respeito a escolhas, pouco se entende e se sabe. Tirando os correligionários, comprometidos e declaradamente desinteressados até as raízes dos poucos cabelos que lhes restam, todos chegam sempre à mesma e improvável conclusão: que importa se tudo é igual, nada muda nem vai mudar?... Defender com entusiasmo um candidato é quase como marcar um gol contra! Após o decreto do placar das urnas, não tarda muito para que o eleito, agora em melhor fatiota e com chuteiras encostadas, pratique táticas de drible contra seu eleitorado. Logo este que “quase sempre se convence que não tem o bastante e fala demais por não ter nada a dizer”*...

Nos tempos modernos, tirando a polêmica do Titanzinho, a política cearense, mesmo a brasileira, chegou a um nível de harmonia que enfadonha. Quase um empate, se não W.O... Como tempero mesmo, só o Pré-Sal.

Na verdade, da passiva geral podemos perceber que todos parecem estar do mesmo lado, ou seja, do seu próprio. A competição megasênica pela vaga no poder, movida pelo se “colar colou”, pela contratação emergente de assessores de imprensa — verdadeiros meios de campo que “enfeitam o bolo”, de olho no futuro promissor —, o programa gratuito de tevê que chega a arrancar mais gargalhadas do que a decadente Zorra global, tudo isso desanima a esses bombardeados eleitores-torcedores, sempre na zaga, cansados de festivais de catimbas e de assistir a tantas bolas arremessadas sem propósito em jogos pré-combinados, forjados na estupidez gananciosa de cartolas que diante da santa omissão popular inexigibilizam o poder. Aliás, poder é querer; e quase nunca o inverso, como se diziam nas boas lições dos antigos, esperançados em valores que, não sabiam, estavam em extinção.

Ora nos cabe dizer que o eleitor consciente é sempre um torcedor. Já o eleitor inconsciente, o que vota em qualquer um, ou naquele único nome — ou número — que conhece, apenas porque está, obrigatoriamente, frente a frente com a urna, este não existe, pois mesmo quando faz o gol, não leva. Mas não leva mesmo! O momento do voto tem até jeitão de pênalti, percebeu? Você, a cédula de voto e a urna. Momento dramáááático... Na arbitragem, logo ali do lado, o mesário, muitas vezes um funcionário público que se sacrifica voluntariamente ao mister em troca do dobro de dias livre de encarar novamente a sua repartição.

Voltemos: o torcedor, por outro lado, é um bom eleitor. Elege seu time, dentre tantos, e passa a sofrer com ele. Torcedor que não sofre, não é bom torcedor. É como aquele eleitor que usa a camisa do candidato porque a recebeu de presente, mas quando diante de uma mais nova transforma logo a antiga em pára-choque de rodo em sua casa.

Torcedor mesmo, assim como o eleitor, chora em cima de sua bandeira — do time ou do partido —, o seu estandarte do coração, põe a mão no peito, agarra quem está do lado e beija (nem importa se é gente ou se apenas se parece com gente). Torcedor é cabra macho, mesmo quando é fêmea.

Então, chega a Copa do Mundo, não se fala em outra coisa: cerveja, praia, churrasco e fritas. Será que hoje nós teremos que ir trabalhar? Mas é o Brasiiiiiiiiil! E se a gente perder? Nós bebemos! E se ganharmos? Comemoramos, ora! Como? Bebendo, é claro.

Daí, chegam as Eleições, não se fala em outra coisa: cerveja, praia, churrasco e fritas. Hoje é certo: não teremos que trabalhar! É, e se o nosso candidato perder? A gente bebe, mas se NÓS ganharmos, já sabe, bota aquela camisa velha e a gente comemora. Como? Bebendo, é claro.

Curioso: na partida de futebol, assim como na política, quem ganha sempre somos NÓS, mas quem perde são ELES...

Pois é, meus caríssimos ledores, a Copa e as Eleições, duas coisas tão diferentes que são até parecidas. E nós aqui, só espiando... e torcendo para que ao soar o apito final, tudo acabe, pelo menos como começou.

Bateram o centro e o Rei continua nu...


(*) trecho de “Índios”, Legião Urbana.


Raymundo Netto não entende nada de futebol, nem de nenhum outro esporte com bola, embora tenha recebido algumas de presente como uma de basquete do Oscar Schmidt. Mesmo assim, escreveu A Bola da Vez (Edições Demócrito Rocha) e agradece ao professor Everardo Aguiar, do Crato, pela criação do troféu homônimo.

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